terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Ein Schöner Tag/ Um belo dia Schiller

Um belo dia –
quando ele para o fim vai
não é mais
como foi...


Tradução Pollyanna Nunes Ramalho


Ein Schöner Tag
Schiller

Ein schöner Tag -
wenn er zu Ende geht,
ist nichts mehr,
wie es war...

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

030 campanha política

Mal abro a porta do quarto ela ajoelha, abre a
braguilha e começa o serviço. Em pleno corredor.
Me afasto. Está tão chapada que cai de cara no
chão. Rasteja até minha cintura de novo. Sinto
cheiro. Devo ser o sexto ou o sétimo nessa noite.
Empurro sua cabeça. Ela pergunta se "não gosto
da coisa". Só eu sei o quanto preciso de uma
chupada, mas aquilo está além da mais básica
covardia. Argumento que estou com sono, que
preciso acordar cedo, o "candidato, sabe como
é ... " Ela diz que, se "gosto da coisa", vai ter de
terminar ... recebera adiantado e não queria dever
nada a ninguém.

(São Luís - Brasil - 1990)

Fernando Bonassi ( Mini conto/Livro Passaporte)

017 meus caros amigos

Jasper estar entregando pizzas com a 250.
Malu aprende alemão a frases vistas. Marcelo
arrumou um namorado economista. Marc não
quer mais pintar quadros sem coisas pulando
pra fora da tela. Osvalgo tem uma coreografia
pronta e agora tenta convencer bailarinos a
trabalhar de graça. Adriana demitiu-se. Suleyman
finalmente comprou mostarda americana pros
sanduíches. Christian conseguiu a tradução
russa d' O Pequeno Príncipe. Lore está se desin-
toxicando e acabou com os meus Lexotans.
Preciso comprar chinelos, passar Minâncora
nas espinhas e ter mais paciência.

(Berlim Ocidental - Alemanha - 1998)

Fernando Bonassi ( Mini conto/Livro Passaporte)

Tradução Música Ruhe/Calma Schiller

 Calma

O amor nada conhece
ele ainda nem conhece a porta nem a tranca
e tudo penetra-se a fundo.
Ele está desde o início,
derrotando suas eternas asas
e é  golpeado – eternamente.
 
Tradução  Pollyanna Nunes Ramalho 12/12/11


Ruhe


Die Liebe kennt nichts,
Sie kennt weder Tür noch Riegel
und dringt durch alles sich.
Sie ist von Anbeginn,
schlug ewig ihre Flügel
und wird sie schlagen - ewiglich 



http://www.vagalume.com.br/schiller/ruhe.html



sábado, 17 de dezembro de 2011

Amante

Continuo de tempo em tempo
a desejando como um felino.
Tu sabes que de tempo em tempo
farejo teu aroma alucinante.
Tua luz é a luz de um rei com sua coroa e
essa luz é a da alma que sozinha não tem sossego.

Amante, precisa  estar livre de teus medos,
de tuas proteções.
Meu desejo é branco, puro, diabólico.

Todas as ânsias corporais estão aqui
e não aceitam o teu Não.

Sinta sem medo, estou em ti
e me aproveito disso.

Em ti estou com todo o
peso da virilidade, não há proteções!




Pollyanna Nunes Ramalho 18/12/11









terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Cidadezinha Qualquer

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.

Carlos Drummond de Andrade


Dissolução


Escurece, e não me seduz
tatear sequer uma lâmpada.
Pois que aprouve ao dia findar,
aceito a noite.

E com ela aceito que brote
uma ordem outra de seres
e coisas não figuradas.

Braços cruzados

Vazio de quanto amávamos,
mais vasto é o céu. Povoações
surgem do vácuo.
Habito alguma?

E nem destaco a minha pele
da confluente escuridão.
Um fim unânime concentra-se
e pousa no ar. Hesitando

E aquele agressivo espírito
que o dia carreia consigo,
já não oprime. Assim a paz,
destroçada

Vai durar mil anos, ou
extinguir-se na cor do galo?
Esta rosa é definitiva,
ainda que pobre.

Imaginação, falsa demente,
já te desprezo. E tu, palavra.
No mundo, perene trânsito,
calamo-nos.
E sem alma, corpo, és suave.

Carlos Drummond de Andrade (Claro Enigma - Segmento Entre Lobo e Cão)



segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Fraga e Sombra

A sombra azul da tarde nos confrage.
Baixa, severa, a luz crepuscular.
Um sino toca, e não saber quem tange
é como se este som nascesse do ar.

Música breve, noite longa. O alfanje
que sono e sonho ceifa devagar
mal se desenha, fino, ante a falange
das nuvens esquecidas de passar.

Os dois apenas, entre céu e terra,
sentimos o espetáculo do mundo,
feito de mar ausente e abstrata serra.

E calcamos em nós, sob o profundo
instinto de existir, outra mais pura
vontade de anular a criatura.

Carlos Drummond de Andrade (Claro Enigma)





Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade (Livro Claro Enigma)













segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Tu - Pantera - escura noite!

Tu - Pantera - escura noite!
Largando pêlo na treva
a luz se mescla, amarela, 
e lustra o dorso da serra.

Que sol, girassol de encosta,
moeu seu grão nessa esteira?
Que lua sangrou - te a fronte
ó noite escura - pantera?

Um astro brilha em melaço
orvalho da fome negra
poreja tua língua inerme.

Rompendo, o verde te cega,
o olhar se aquieta em cisternas
e a aurora baixo em teu rastro.


Maria Ângela Alvim





quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Friedrich Nietzche

A mulher completa incorre em literatura como incorre num pecadilho: como experiência, de passagem, olhando em volta para ver se alguém a está notando, que alguém a está notando...

 (Crepúsculo dos Ídolos: Tradução de Paulo César de Souza)

Mulher Adomercida

Moro no ventre da noite:
sou a jamais nascida.
E a cada instante aguardo vida.

As estrelas, mais o negrume
são minhas faixas tutelares
e as areias e o sal dos mares.

Ser tão completa e estar tão longe!
Sem nome e sem família cresço,
e sem rosto me reconheço.

Profunda é a noite onde moro.
Dá no que tanto se procura.
Mas imtransitável, e escura.

Estareium tempo divino
como árvore em quieta semente,
dobrada na noite, e dormente.

Até que de algum lado venha
a anunciação do meu segredo
desentranhar-me deste enredo,

arrancar-me à vaguesa imensa,
consolar-me deste abandono,
mudar-me a posição do sono.

Ah, causador dos meus olhos,
que paisagem cria ou pensa
para mim, a noite é densa?

Cecília Meireles ( Livro Mar Absoluto)

As ilhas Afortunadas

Que voz vem no som das ondas
Que não é a voz do mar?
É a voz de alguém que nos fala,
Mas que, se escutamos, cala,
Por ter havido escutar.

E só se, meio dormindo,
Sem saber de ouvir ouvimos,
Que ela nos diz a esperança
A que, como uma criança 
Dormente, a dormir sorrimos.

São ilhas afortunadas,
são terras sem ter lugar,
Onde o Rei mora esperando.
Mas, se  vamos despertando,
Cala a voz, e há só mar.

Fernando Pessoa (Livro Mensagem)













quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Belo Artesanato



Estou só não nego, sempre enamorada
Tudo isso me mostra que sim
por isso é aventura sem fim.
Estou virando uma libertária.
Essa completa escassez de Arte
demontra-me o valor do artesão
e estar a me ensinar a paixão.

Piedade! Estou a sentir em toda parte!

Acho que não vou querer piedade,
nossa... reclamação sem fundamento que
não faz parte desse nosso entendimento.

Que palavras sem habilidades...

Penso que aprendi a lição
de o amar docemente Artesão.


Pollyanna Nunes Ramalho 2003

















Incerteza



Estar confusa, sem saber para onde ir...
Qual o caminho seguir...
Isso é muito leviano?

É no meio de toda essa confusão
que a maior incerteza que tenho é o meu amar-te.
Mas isso me causa inspiração.

Tu que tiras o meu fogo,
que tiras o meu frio,
que tiras a minha dor,
que me deixa sem segmentos.

A incerteza, o não estar é uma pobreza,
mas o amor não.

Pollyanna Nunes Ramalho















Cavaleiro das Armas Escuras



Cavaleiro das armas escuras, conheço a ti.
Sim, o conheço! De onde? De um poeta romântico.
Penso que há uma ilusão
por isso se tornou esse sanguinário.

Oh! Cavaleiro, lembro-me de ti, lembro-me 
daquela inocência que se perdeu.
O que estás fazendo?
O que estás segurando?
Quer provar algo?

Tu cavas a morte  e o fado.
Com a espada envolvida de fogo e ganância 
tu provas a minha mortalidade e a coragem de um covarde.

Pollyanna Nunes Ramalho 2004

















segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Meu íntimo





Quando estou aqui,
assim, no meu íntimo.
É neste momento que eu vejo o céu.

Não o céu de tom azul oceano dia,
mas sim, o céu azul oceano noite 
e não é aquele céu oceano noite estrelado.
Estrelado é só nos pequenos cantos do mundo,
onde a iluminação engenhosa não chegou.

Meu íntimo é como o céu oceano estrelado.

Pollyanna Nunes Ramalho

A marcha da História

Eu me encontrei no marco do horizonte
Onde as nuvens falam,
Onde os sonhos têm mãos e pés
E o mar é seduzido pelas sereias.

Eu me encontrei onde o rel é fábula,
Onde o sol recebe a luz da lua,
Onde a música é pão de todo dia
E a criança aconselha-se com as flores.

Onde o homem e a mulher são um,
Onde espadas e granadas
Transformam-se em charruas,
E onde se fundem verbo e ação.















sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Momentos da Obra de Murilo Mendes: O Visionário e Os Quatro Elementos


O livro O Visionário, de Murilo Mendes nos traz evidencias do olhar profético de sua poesia acerca dos tempos da vida e do fim dos tempos. A obra foi escrita entre 1930 e 1933, período de grandes conflitos no Brasil e no mundo.
Para a poesia de Murilo Mendes o homem é a vida, o espírito, e também está entre Deus e o diabo. Sua poética laça mão da figura feminina para tematizar as transformações humanas impostas pelo tempo. O nascimento e a jovialidade estão em concomitância com a velhice e a experiência humana.
No poema abaixo Formas Alternadas é possível observar o jogo que se dá através da alternância das imagens, ora da menina, ora da mãe que se transformam com o desenrolar do tempo.
                                  
FORMAS ALTERNADAS

Vi a menina crescendo
Na sombra de sua mãe.
Vi a mãe dela sumindo,
O corpo da outra aumentando,
Vi a posição dos corpos
Mudando sempre no espaço,
O tempo desenrolando
Olhares e movimentos,
Vontades, curvas e cheiros,
Ora da filha bonita,
Ora da mãe consumida,
Com tantas afinidades
Vindas, sem se perceber,
De formas bem semelhantes:
Não sei onde a mãe acaba
Nem onde a filha começa.


É possível observar, que algumas rimas presentes no poema com os verbos no gerúndio nos dão a idéia de estados inacabados, o que também, é um tema proposto por essa poesia que é voltada para a metamorfose humana. E apesar da sensação de distinção causada pela alternância entre a mãe e a filha, o desenlace do poema nos mostra a não distinção das formas entre os dois corpos.
Murilo Marcondes de Moura em “A poesia como totalidade” cita algo sobre a metáfora dissolvente em que Kayser diz:                       

Todo o existente está ligado misteriosamente, de forma a não existirem fronteiras firmes entre as coisas, e tudo segue um curso permanente, em transformação constante.  
É possível perceber, que Moura enfatiza a intenção da poética muriliana em utilizar, como o próprio Murilo Mendes afirma, a metáfora com toda sua carga de força, deixando de lado as passagens intermediárias. Assim, a metáfora presente no fim de Formas Alternadas tematiza as inquietudes e as transformações da vida.
Outro poema que predica aspectos importantes da poesia de O Visionário é Tédio na Varanda. Em que o sujeito do poema hesita entre as ancas da morena e entre uma reflexão sobre a extinção do homem. O que nos leva a perceber o jogo de sentimentos opostos que se realizam ao mesmo tempo.


TÉDIO NA VARANDA

Hesito entre as ancas da morena
Deslocando a rua,
E o mistério do fim do homem, por exemplo.
Dormir!

As camélias lambem
O sexo de teus lábios.
Os pássaros da vertigem
Bicam estátuas de pano.
O mar fala a língua de p
Enquanto eu não tenho
Pés de vento,
Mãos de metal.

As botas de sete pedras
Comem léguas de aborrecimento.


O sujeito que se sente entediando diante dessas duas configurações tem o desejo de dormir. E esse dormir, com efeito, está associado no desempenho desinteressado do pensamento, e também se associa com o desejo de se colocar no mundo onipotente do sonho.
Na Revista O Eixo e a Roda, Murilo Mancondes de Moura associa de maneira coerente, o conflito do sujeito de Tédio na Varanda com a formulação baudelairiana de que:
Há em todo homem, a todo instante, duas postulações simultâneas: uma para Deus, outra para o diabo. A invocação a Deus, ou espiritualidade, é um desejo de ascender; aquela de Satã, ou animalidade, é uma alegria de descer. É a esta última que devem ser relacionados os amores pelas mulheres

As duas situações díspares da primeira estrofe, que é a tensão do poema geram o tédio e o desejo de dormir, afinal, é o mundo do sonho que é capaz de oferecer um apaziguamento desse espírito.
O encadeamento das figuras camélias, pássaros e a ação de bicar, nos trazem uma imagem de um jardim e também a figura mítica de Prometeu. O jardim é como um cenário, ou melhor, um quadro que emoldura essas tensões. E a figura mitológica de Prometeu, a meu ver, se relaciona com a inatividade do homem. Prometeu que ao receber o castigo de Zeuz, em que seu fígado se regenera para ser bicado todos os dias, se encontra como um espantalho sem possibilidades de ação, do mesmo modo que o homem de Tédio na Varanda, que está como uma máquina desligada.
O livro os Quatro Elementos, escrito em 1935, porém publicado em 1945, enfatiza o tom de elevação do poeta Murilo Mendes. O título da obra é uma boa partida para a percepção da articulação dos elementos água, fogo, terra e ar. Mas, é necessário observar que olhar do poeta, não só converge para todos esses elementos, como também, para aqueles temas tratados em o Visionário.
Em Os Quatro Elementos permanece as configurações surrealistas típicas de Murilo Mendes. O autor articula em um mesmo plano, elementos e imagens aparentemente arbitrárias, mas que criam sentidos coerentes. Como por exemplo, no poema abaixo:
            A NOITE DE SETEMBRO

O céu revestiu uma couraça branca
Estrelas dançarinas de quinze anos
A lua orienta o navio
A pena do poeta
O coração e a cor das amadas
A lua é virgem
Lua abstrata
Ela participa do grande segredo

Aparece no céu inesperada mulher
Talvez a musa
Em outra idade em outra posição em outra dimensão.
Amemos.

Carlos Eduardo Ortolan Miranda, em sua Dissertação faz o seguinte comentário:
Se o substantivo “couraça” poderia induzir, num primeiro momento, a um ligeiro (ou grave) desagrado, ainda mais quando aliado à inesperada “brancura” (lembre-se aqui as infindáveis discussões da crítica acerca do branco como imagem do Mal Absoluto em Moby Dick, clássico romance de Melville), o poeta trata de, em nova guinada vertiginosa, introduzir uma imagem de alegria absoluta, na forma de “estrelas dançarinas de quinze anos” 
O que Miranda percebe aqui é o que Murilo Mendes faz em sua poesia, um jogo de imagens díspares que criam um único sentido. As figuras desse poema como, as estrelas, o céu, a pena do poeta e a lua se encadeiam de maneira que caracterizam os sentimentos de alegria, inspiração, elevação e até mesmo a inacessibilidade da mulher.
Outro aspecto interessante a ser observado nesse poema são as construções sintáticas soltas, que eliminam as passagens descritivas, característica também louvada pelo movimento Surrealista.
            Portanto, espero que algumas considerações aqui realizadas tenham esboçado, de alguma maneira, características presentes em O Visionário e em Os quatro Elementos, já que, o poeta aqui tratado possui uma obra grande e de uma complexidade atrativa, que não só envolve sua poesia, mas também sua vida.
 Pollyanna Nunes Ramalho


MURILO, Mendes. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

MOURA, Murilo Marcondes de. Murilo Mendes: A Poesia como Totalidade. São Paulo: Edusp, 1995.

MIRANDA, Carlos Eduardo Ortalan. Os Quatro Elementos: O Lirismo Dialético de Murilo Mendes. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo: São Paulo, 2009.

BRETON, André. Manifesto Surrealista: 1924. Transcrito por Alexandre Linares. Arquivo digital: The Marxists Internet Archive.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

tensão,ovo novelo e plano-piloto para a poesia concreta


O plano-piloto para a poesia concreta publicado em 1958, em noigandres, se realizou na tentativa de esclarecer as intenções dessa nova abordagem poética, que não se interessava pela estrutura linear e discursiva do verso.
A proposta dos irmãos Campos e de Décio Pignatari sobre a poesia concreta não era, a meu ver, de uma ruptura com o passado, mas sim de uma evolução das formas poéticas antes utilizadas. Essa teoria se coloca como linha de frente para a poética voltada para além dos recursos verbais.
 Os recursos espaciais, como também os sonoros ganham grande importância na construção do sentido. Muitos são os poemas publicados por Augusto de Campos que se relacionam com as ideias presentes no plano-piloto. No entanto, neste trabalho será tratado apenas dois poemas, como “Tensão” e “Ovo novelo”.
No poema “Tensão”, é possível perceber a comunicação entre a linguagem verbal, visual e também sonora.


com                                        can
som                                        tem



com                                        ten                                         tam
tem                                        são                                         bem



                                               tom                                        sem
                                               bem                                       som

Como é proposto no plano-piloto o poema valoriza o espaço e suas formas geométricas, em que seu eixo fixo se dá em ten/são, que se realiza nos três planos. No plano verbal a tensão se coloca com a quebra da discursividade, já no plano sonoro, se instala pelos trocadilhos em que, as palavras possuem as mesmas características sonoras e a tensão do plano visual se dá, pelas múltiplas formas de ser ler o poema. A partir de uma perspectiva semântica que se liga a forma há também, a tensão entre as duas extremidades com som x sem som. O que se realiza é uma simultaneidade da comunicação verbal e não verbal.
 Já o poema ovo novelo se relaciona com o aspecto do isomorfismo tratado pelo plano piloto para a poesia concreta, em que a forma do poema imita a forma oval.  O diversos efeitos sonoros e visuais servem de estrutura para a temática do nascimento e do ser humano como mero número zero no mundo. 
Pollyanna Nunes Ramalho




CAMPOS, Auguto de. Ovo Novelo. In: Viva Vaia. São Paulo, Ateliê Editorial, 2001. 

CAMPOS, Augusto; CAMPOS, Haroldo; PIGNATARI, Décio. Teoria da 
poesia concreta. São Paulo, edição dos autores, 1958.

Aspectos da poesia de Maria Ângela Alvim


.
Embora a obra poética de Maria Ângela Alvim não se caracterize pela vastidão, nem apresente uma poesia no estado maduro se comparada a outros poetas como Carlos Drummond de Andrade. Sua poesia apresenta, a meu ver, uma sensibilidade atrativa pelo modo de reter apenas o essencial.
Os livros Superfície e Barca do tempo exemplificam a singularidade dessa poesia, que formalmente se caracteriza pela presença de poemas curtos e que também adere à forma fixa do soneto. Os temas subjacentes aos símbolos e às figuras como a morte, a poesia e a impermanencia da vida e da memória se articulam com as imagens límpidas e sensoriais filtradas pela poetisa.
O título do único livro publicado em vida de Maria Ângela Alvim remete ao estado fugitivo em que o sujeito se coloca no mundo. Nem completamente na vida e nem completamente na morte.
Meus olhos são telas d’água,
Não ferem a perfeição.
Sendo a morte para esse, mais atrativa do que a própria vida. O olhar do sujeito é o olhar de quem está na superfície a contemplar a perfeição, mas que não a adentra.
É possível relacionar as formas poéticas, principalmente, de Superfície com as formas do Hai-kai, no entanto, como o próprio Carlos Drummond de Andrade afirma, a semelhança se dá mais pela forma esquiva e sugestionadora do velho poema japonês do que pelo número de sílabas do poema.
É interessante observar que em Superfície não há a presença de rimas como em Barca do Tempo. Os poemas desse primeiro livro quanto à linguagem se caracteriza pelo teor suave e límpido.
A suave manhã comoveu as pedras,
brilham os caminhos dos homens.
Ninguém se perdeu.
Também, nessa poética é possível resgatar algumas semelhanças com a tradição simbolista, que através das imagens e do uso não referencial de representação trata de reflexões sobre o estado da alma, ou melhor, do mundo interior.
No poema “A árvore não brotou no jardim”, podemos conferir a eliminação de passagens tanto no plano formal, quanto no plano temático do poema.
A árvore não brotou no jardim.
Desconheço a doçura do seio das flores.
Sou o fruto das raízes.
O sujeito assim como a árvore e como a poética de Maria Ângela Alvim, se coloca pronto diante do mundo. Em que, o fruto não vem das flores, mas diretamente das raízes.
A diferenciação entre Barca do Tempo e Superfície se dá pela presença do soneto. No entanto, essa diferença não se instala apenas no plano formal, mas também pela maior recorrência do tema da brevidade ou do  caráter fugitivo da vida e da memória.
[...]
Para um tempo de olhar a cor é breve
E já no repensar foge ao momento.
Quis ser na flor, no adeus, no rio lento,
mas se não há memória, não se atreve.
                                                      [...]
Em Barca do tempo também é recorrente o uso de travessão, recurso que na obra pode ser comparado com o efeito reflexivo dos parênteses e, também à marcação de uma interlocução entre o Eu e o Tu, em que o Eu utiliza os verbos no imperativo, causando um efeito de ordem, ou sugestão. 

                                                      [...]
                                                           —Não afeita à visão, tua retina!
Vence a bruma que te vem do olhar,
                                                 [...]
Mesmo com uso da forma fixa e a presença, de rimas intercaladas, é possível observar o mesmo teor reflexivo do poema “Cor”, de Barca do Tempo, com o livro Superfície. A memória se coloca como breve, fugitiva, assim como a flor que serve como figura para a vida.
Alguns poemas nos dois livros não possuem títulos próprios. O que nos leva a pensar na existência deles, não somente em si mesmos, mas presos uns aos outros. Maria Ângela Alvim utiliza em sua obra recursos formais que se unem a sua característica fugitiva e exata.  E é esse estado de não profundo a esse absoluto (a morte, ou a perfeição) que concretiza a sua poesia.
                                                                      Pollyanna Nunes Ramalho

ALVIM, Maria Ângela. Poemas. 3. ed. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 1993.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Cor

Para um tempo de olhar a cor é breve
e já no repensar foge ao momento.
Quis ser na flor, no adeus, no rio lento,
mas se não há memória, não se atreve.



E mesmo no destino quase leve
das coisas que não sofrem entendimento
no indiferir do mundo desatento,
flor, adeus ou rio, — a cor é breve.



Laçando uma tenuíssima aparência
ao engano de ser, entretecida,
a cor, refluindo, é vã sobrevivência.



Mal se anuncia em tons, e apenas crível
Na remontante fuga da subida
demora azul, refeita de invisível.
(Livro Barca do Tempo)

A árvore não brotou no Jardim

A árvore não brotou no Jardim.
Desconheço a doçura do seio das flores.
Sou fruto das raízes.

Os finos dedos do vento

Os finos dedos do vento
contaram os meus cabelos.
Meu corpo é o violino
nos leves dedos do vento.
(Livro Superfície)

Não mais a estrela será tão alta

Não mais a estrela será tão alta
na grade dos dedos.
Está no lago
no espelho da noite
na mão suicida.
No lago
no espelho da noite
flutua a face da afogada.
(Livro Superfície)

Meus olhos são telas d'água

Meus olhos são telas d'água,
não ferem a perfeição.
(Livro Superfície)

A sementeira de mortos. O rio.

A sementeira de mortos. O rio.
— Transformei-me em salgueiro
no rio da morte.
(Livro Superfície)