domingo, 14 de julho de 2013

O Cosmopolitismo em Augusto de Campos e o poeta provençal Arnaut Daniel



A soma da sabedoria humana não está contida em nenhuma linguagem e nenhuma linguagem em particular é CAPAZ de exprimir todas as formas e graus da compreensão humana.
Ezra Pound (pág. 38: 1995)
É em muito a contribuição de Haroldo e Augusto de Campos para a literatura brasileira, contribuição essa que em grande parte está nas diversas traduções que os irmãos realizaram. E é a partir desse trabalho que a língua portuguesa possui uma visão de diversas obras e de escritores que fazem parte da literatura mundial. A partir do trecho acima, na qual Ezra Pound afirma que nenhuma linguagem é capaz de conter em si toda a sabedoria humana é entendido que o cosmopolitismo é imanente à literatura. Nessa direção, creio que o motivo disso está no fato da necessidade urgente da literatura de dizer e de tentar refletir fatos, sentimentos e reproduzir diferentes culturas. Trato aqui, não de um cosmopolitismo rígido e ideológico, mas sim daquele que se volta para as relações multiculturais, um cosmopolitismo do espaço: que valoriza os diversos lugares, paisagens e direitos de ir e vir; um cosmopolitismo do tempo: no qual escritores antigos se relacionam a escritores atuais e também, por que não a um cosmopolitismo linguístico, literário, no qual através de transcrições se é possível resgatar sentimentos esquecidos ou nomear/dizer o que em determinada língua não se pode ser dito.
Uma das importantes contribuições dos irmãos Campos é o trabalho realizado com a poesia provençal. O provençal é considerado por muitos filólogos e linguistas modernos como um dos dialetos dentro da língua occitana/ Langue d’oc, no qual se tem como figuras importantes os poetas Raimbaut e Arnaut Daniel. A partir disso e de algumas traduções realizadas por Ezra Pound, Augusto de Campos se interessou em dar continuidade nas traduções dessas poesias. Poesias essas, que nos sécs. XII/XIII retratavam a visão do amor livre e que nas palavras de Augusto pode ser lida como signo subversivo de ideologias mais generosas. Signo, que nesse sentido, foi de caminho contrário à sociedade patriarcal da época. Assim, os poetas são Antenas, à maneira de Pound, antenas de raça, ou melhor, a arte como radar cita McLuhan, poesia essa que se deu como a frente de seu tempo.
A partir da canção danielina, bem como através da tradução realizada por Augusto é possível perceber que as palavras bem amarradas e sons engendram um efeito melódico relacionado aos temas tratos por essa poesia. Um exemplo disso está na canção XIII, ER VEI VERMEILLS, VERTZ, BLAUS, BLANCS, CRUOCS, no qual a rima do primeiro verso/linha se repete em todas as primeiras linhas das outras estrofes/ coblas. Ou seja, neste poema, há o que Campos chama de coblas singulars. Outro aspecto importante são os jogos de palavras, as aliterações e as assonâncias criando assim o que Pound caracterizou como importante na poesia provençal, a melopeia.
           
Vermelho e verde e branco e blau,
Vergel, vau, monte e vale eu vejo,
a voz das aves voa e soa
em doce acordo, dia e tarde;
então meu ser quer que eu colora o canto
de uma flor cujo seja amor
grão, alegria, e olor de noigandres.*
                                                                      (pág. 111:1987)

Uma das sensações provocadas por esse amor é o cheiro que protege contra o tédio, enoi gandres, palavras que foram aglutinadas por Augusto, a partir da decomposição de Emil Lévy (ennui/tédio, gandres/proteger) para noigandres. O lirismo de Arnaut parte do plano formal e nos conduz ao encanto, que a mulher amada tem sobre seu cantor, cantor esse que não compreende a não comoção de Deus diante de seu abatimento causado pelo tempo, separador dos amantes. Nesse sentido, a figura feminina vale tão ou mais que os tesouros do Tigre e do Meandres, vale mais que as glorias de um imperador e é a matéria de música para o compositor. 
Quando Pound em o ABC da Literatura (tradução de Augusto de Campos) diz que Se a literatura de uma nação entra em declínio a nação se atrofia e cai. O que posso pensar para este trabalho é que a literatura também é um meio de conservar, seja uma língua, um dialeto, uma visão de mundo. Assim, a cultura provençal em parte está conservada nas canções de Arnaut e de outros poetas do período. E quando Anthony Appiah usa a seguinte expressão: Numa única polis não há sabedoria, posso refletir essas palavras para leitores de literaturas e tradutores que buscam conhecimento em poesia provençal, ou em literaturas atuais de suas línguas nativas ou não, estabelecendo assim o seu próprio paideuma, ou o seu próprio cânone.




Referências

APPIAH, Kwame Anthony. Patriotas cosmopolitas. Revista Brasileira de Ciências Sociais vol. 13 n. 36. São Paulo: Anpocs, 1998.
CAMPOS, Augusto de. MAIS PROVENÇAIS. Companhia das Letras: São Paulo, 1987.
NUSSBAUM, Martha C. Patriotism and Cosmopolitanism. In: M. C. Nussbaum et al. For Love of Country? Boston: Beacon, 1996, reed. 2002; Patriotismo y cosmopolitismo. In: M. C. Nussbaum et al. Los límites del patriotismo. Barcelona: Paidós, 1999.

POUND, Ezra. ABC da Literatura. Trad. Augusto de Campos e José Paulo Paes. Ed Cultrix: São Paulo, 1995.