A
soma da sabedoria humana não está contida em nenhuma linguagem e nenhuma
linguagem em particular é CAPAZ de exprimir todas as formas e
graus da compreensão humana.
Ezra
Pound (pág. 38: 1995)
É
em muito a contribuição de Haroldo e Augusto de Campos para a literatura
brasileira, contribuição essa que em grande parte está nas diversas traduções
que os irmãos realizaram. E é a partir desse trabalho que a língua portuguesa
possui uma visão de diversas obras e de escritores que fazem parte da
literatura mundial. A partir do trecho acima, na qual
Ezra Pound afirma que nenhuma linguagem é capaz de conter em si toda a
sabedoria humana é entendido que o cosmopolitismo é imanente à literatura. Nessa
direção, creio que o motivo disso está no fato da necessidade urgente da
literatura de dizer e de tentar refletir fatos, sentimentos e reproduzir
diferentes culturas. Trato aqui, não de um cosmopolitismo rígido e ideológico,
mas sim daquele que se volta para as relações multiculturais, um cosmopolitismo
do espaço: que valoriza os diversos lugares, paisagens e direitos de ir e vir;
um cosmopolitismo do tempo: no qual escritores antigos se relacionam a
escritores atuais e também, por que não a um cosmopolitismo linguístico,
literário, no qual através de transcrições se é possível resgatar sentimentos
esquecidos ou nomear/dizer o que em determinada língua não se pode ser dito.
Uma
das importantes contribuições dos irmãos Campos é o trabalho realizado com a
poesia provençal. O provençal é considerado por muitos filólogos e linguistas
modernos como um dos dialetos dentro da língua occitana/ Langue d’oc, no qual
se tem como figuras importantes os poetas Raimbaut e Arnaut Daniel. A partir
disso e de algumas traduções realizadas por Ezra Pound, Augusto de Campos se
interessou em dar continuidade nas traduções dessas poesias. Poesias essas, que
nos sécs. XII/XIII retratavam a visão do amor livre e que nas palavras de
Augusto pode ser lida como signo
subversivo de ideologias mais generosas. Signo, que nesse sentido, foi de
caminho contrário à sociedade patriarcal da época. Assim, os poetas são Antenas, à maneira de Pound, antenas de raça, ou melhor, a arte como radar cita McLuhan, poesia
essa que se deu como a frente de seu tempo.
A
partir da canção danielina, bem como através da tradução realizada por Augusto
é possível perceber que as palavras bem amarradas e sons engendram um efeito
melódico relacionado aos temas tratos por essa poesia. Um exemplo disso está na
canção XIII, ER VEI VERMEILLS, VERTZ,
BLAUS, BLANCS, CRUOCS, no qual a rima do primeiro verso/linha se repete em
todas as primeiras linhas das outras estrofes/ coblas. Ou seja, neste poema, há
o que Campos chama de coblas singulars.
Outro aspecto importante são os jogos de palavras, as aliterações e as
assonâncias criando assim o que Pound caracterizou como importante na poesia
provençal, a melopeia.
Vermelho
e verde e branco e blau,
Vergel,
vau, monte e vale eu vejo,
a
voz das aves voa e soa
em
doce acordo, dia e tarde;
então
meu ser quer que eu colora o canto
de
uma flor cujo seja amor
grão,
alegria, e olor de noigandres.*
(pág.
111:1987)
Uma
das sensações provocadas por esse amor é o cheiro que protege contra o tédio, enoi gandres, palavras que foram aglutinadas por Augusto, a partir da
decomposição de Emil Lévy (ennui/tédio, gandres/proteger) para noigandres. O
lirismo de Arnaut parte do plano formal e nos conduz ao encanto, que a mulher
amada tem sobre seu cantor, cantor esse que não compreende a não comoção de
Deus diante de seu abatimento causado pelo tempo, separador dos amantes. Nesse
sentido, a figura feminina vale tão ou mais que os tesouros do Tigre e do Meandres, vale mais que as glorias de um
imperador e é a matéria de música para o compositor.
Quando
Pound em o ABC da Literatura
(tradução de Augusto de Campos) diz que Se
a literatura de uma nação entra em declínio a nação se atrofia e cai. O que
posso pensar para este trabalho é que a literatura também é um meio de
conservar, seja uma língua, um dialeto, uma visão de mundo. Assim, a cultura
provençal em parte está conservada nas canções de Arnaut e de outros poetas do
período. E quando Anthony Appiah usa a seguinte expressão: Numa única polis não há sabedoria, posso refletir essas palavras
para leitores de literaturas e tradutores que buscam conhecimento em poesia
provençal, ou em literaturas atuais de suas línguas nativas ou não,
estabelecendo assim o seu próprio paideuma,
ou o seu próprio cânone.
Referências
APPIAH,
Kwame Anthony. Patriotas cosmopolitas.
Revista Brasileira de Ciências Sociais
vol. 13 n. 36. São Paulo: Anpocs, 1998.
CAMPOS,
Augusto de. MAIS PROVENÇAIS. Companhia
das Letras: São Paulo, 1987.
NUSSBAUM, Martha C. Patriotism and Cosmopolitanism. In:
M. C. Nussbaum et al. For Love of Country? Boston: Beacon,
1996, reed. 2002; Patriotismo y
cosmopolitismo. In: M. C. Nussbaum
et al. Los límites del patriotismo. Barcelona: Paidós, 1999.
POUND,
Ezra. ABC da Literatura. Trad.
Augusto de Campos e José Paulo Paes. Ed Cultrix: São Paulo, 1995.
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