A pé e com o coração iluminado, adentro a estrada aberta,
Saudável, livre, o mundo adiante de mim,
a
longa senda marrom em minha frente, conduzindo-me para onde
[quer que eu escolha.
A partir de agora não peço mais pela boa
sorte, pois eu mesmo sou
[a boa sorte,
A partir de agora abandono as lamúrias,
não mais procratismo, de
[nada mais necessito,
Estou farto de reclamações entre quatro
paredes, bibliotecas, críticas
[conflituosas
Forte e satisfeito eu viajo pela estrada
aberta.(...)
Jack
Kerouac em 1951, a partir das viagens e situações vivenciadas que duraram
aproximadamente sete anos, com seus amigos: Neal Cassady, Allen Ginsberg e
Willian S. Burroughs, escreveu em poucas semanas o Romance que seria
considerado anos mais tarde a Bíblia da juventude norte-americana. E mais do
que isso, um símbolo da geração Beat. No entanto, o sucesso do livro não
ocorreu tão rápido, o livro de Kerouac chegou a ser rejeitado por muitas
editoras e revisado várias vezes, principalmente por ter utilizado em seu
manuscrito o nome original de seus amigos. De qualquer forma nada conteve o
sucesso da obra que acabou deslanchando na estrada literária.
No Brasil, a
primeira tradução do livro fora realizada por Eduardo Bueno e
pela editora L&PM, que na década de 80 se deparou com a mesma efervescência
da juventude norte-americana dos anos 60. Nesse contexto brasileiro, também
foram traduzidos outras obras como Uivo de Allan Ginsberg, com
tradução realizada por Cláudio Willer entre outras.
Aqui
também é interessante ressaltar que em 1992, como cita Eduardo Bueno,
(...)
Francis
Coppola (o produtor), Guns Van Sant (o diretor) e Johnny Depp (o ator)
envolveram-se numa filmagem nunca concretizada do livro (...). Talvez o motivo pela não
realização do filme, na época, se dê pelo enorme desafio de reproduzir tantas
informações na linguagem cinematográfica. (12:2004).
A
partir disso há de se avaliar que Walter Salles deu um grande passo
a frente ao filmar Na Estrada.
O Livro
Sal
Paradise, protagonista de On The Road em primeira pessoa narra suas
experiências viscerais como um viajante entregue ao acaso.
Inicialmente, a personagem de forma implícita expõe acontecimentos do passado
como a morte de seu pai e uma separação conjugal, assim conduzindo seus
leitores ao porvir de uma imensa highway.
Estrada essa, que continha a presença de Dean Moriarty ao longo de quase
toda a narrativa. Assim começa o livro, com as recordações de Paradise ao
conhecer em New York/1947 Dean e sua namorada Marylou.
As
primeiras impressões que o protagonista teve com relação a Dean, são muito
importantes para o desenvolvimento do enredo. O amigo simbolizava uma juventude
ativa, sem preocupações, sem preconceitos, uma vida plena de musicalidades e aventuras.
Se para um deles as experiências eram compartilhadas através da escrita, para o outro expressão se dava através da corporeidade. Após a apresentação entre Dean e Carlo Marx e algumas perambulações entre as ruas, casas e bares de New York, na primavera de 47 os grupos se dispersaram e cansado de ficar em New York, Sal resolveu cair na estrada. Sozinho, com apenas 50 dólares no bolso e o desejo de ir ao Oeste americano, percorrera longos caminhos, e também conhecera muitas pessoas e paisagens desconhecidas.
Se para um deles as experiências eram compartilhadas através da escrita, para o outro expressão se dava através da corporeidade. Após a apresentação entre Dean e Carlo Marx e algumas perambulações entre as ruas, casas e bares de New York, na primavera de 47 os grupos se dispersaram e cansado de ficar em New York, Sal resolveu cair na estrada. Sozinho, com apenas 50 dólares no bolso e o desejo de ir ao Oeste americano, percorrera longos caminhos, e também conhecera muitas pessoas e paisagens desconhecidas.
Através
de inúmeras caronas, perambulações entre trilhos de trens e muitas imagens seja
de paisagens como a do rio Mississipi, das montanhas, seja de vagabundos,
andarilhos, de hipsters e de caubóis, o protagonista seguia com a vontade de
chegar ao Oeste, especificamente, em Denver para se juntar a todos os amigos. No
entanto, mesmo em Denver ao passar algumas noites na casa de Chad King, não
teve tanto contato como gostaria com Dean e Carlo Marx, por puro desacordo
entre colegas.
Chad
King, Tim Gray e Roland Major, junto com os Rawlins, estavam basicamente
dispostos a ignorar Dean Moriarty e Carlo Marx. E eu estava bem no meio deste
curioso confroto. (pp.
61:2004).
Após
um período em Denver, algumas festas, conversas literárias com Carlo, Sal estava
pronto para mais viagens. Saindo de Denver passando por Salt Lake City e mais
alguns quilômetros se encontrava amparado na Califórnia e na casa de Remi e sua
esposa Lee Ann. Nesse período, com ajuda de Remi conseguiu um trabalho de
segurança e conviveu durante um tempo com o amigo e a esposa. Trabalhara,
mandara dinheiro para sua tia (que no manuscrito é a mãe), presenciara muitas
brigas entre o casal, sentira desejos pela esposa do amigo e também chegaram juntos a até passar
algumas dificuldades e novamente partiu sem rumo.
Em
um ônibus a caminho de LA, depois de algumas desventuras na estrada e se
sentindo sozinho, Paradise conhece a jovem mexicana Terry e se apaixona.
Talvez, seja este um dos momentos mais melancólicos do livro. O protagonista,
um jovem escritor sem rumo, sem dinheiro se apaixona por uma jovem mulher pobre
e com um filho. O narrador descreve as ruas de LA, com seus bares e a falta de
camaradagem entre as pessoas. E acrescenta:
Todos
os policiais de LA pareciam gigolôs atraentes, obviamente tinham vindo a LA
tentar a sorte no cinema. Todo mundo tinha vindo tentar a sorte no cinema, até
mesmo eu. Terry e eu finalmente fomos reduzidos a tentar conseguir um emprego
em South Main Street entre balconistas vulgares (...) (117:2004).
Assim
resolveram sair de LA e como estavam sem dinheiro decidiram ir para Bakersfield
e trabalharam colhendo algodão. Por muitos dias Sal se sentia um camponês,
estava com Terry e por instantes esquecera até mesmo de Dean. Mas ele sabia que
não poderia ficar muito tempo levando uma vida tão diferente da sua e que Terry
deveria ficar com sua família.
Olhei
para o céu escuro e pedi a Deus por uma vida menos árdua e uma chance melhor
para fazer algo por aquela gente que eu amava. Mas ninguém estava prestando
atenção em mim lá em cima. (128:2004
Deixando
Terry com sua família e sem lugar para ficar, novamente ele retorna
a estrada, contudo, a estrada de volta para casa em New York.
Depois
de 1 ano morando com sua mãe em New York e frequentando a Faculdade, Sal se
depara com o amigo Dean pronto para novas viagens. A partir daí desde as
experiências dos personagens, bem como o ritmo do livro se aceleram, como se o
autor quisesse nos transmitir todas as loucuras e errâncias apresentadas ao
longo da narrativa. As afinidades entre Sal Paradise e Dean Moriarty se
acentuam ainda mais. São vários episódios de festas, ouvindo o bop alucinado e
que ambos discutem sobre os artistas que tinham AQUILO, o Jazz se despontava e
o ritmo dessa geração ia ao encontro da geração Beat.
Um
dos pontos que causaram polêmica no Romance são as cenas de sexo, no qual uma
delas Marylou e Dean queriam que Sal dormisse com eles, uma cena a três, que
causou um grande impacto no contexto pelo qual a obra foi lançada. Além das
cenas homo afetivas, que talvez não foram compreendidas dentro da sociedade
preconceituosa e conservadora, principalmente, a norte americana em meados dos
anos 50. Outros pontos frenéticos é a
vida embaraçada de Dean, que se separa e se casa com várias mulheres ao longo
do enredo e que também foi pai de quatro filhos.
Outra
cena importante no livro são os momentos que os jovens passaram em Nova
Orleans:
O
ar era tão perfumado em Nova Orleans que parecia vir em echarpes macias; podia
se sentir o cheiro do rio e sentir mesmo o cheiro das pessoas, e da lama e do
melado, e todos os tipos de exalações tropicais com o nariz subitamente
retirado dos gelos do inverno setentrional. (178:2004).
Nesse
trecho e em muitas outras passagens, também é possível verificar as referências
de muitas obras como nesse caso a Marcel Proust. Em muitos momentos do livro o
autor recorre a recursos temporais, uma vez que a história foi escrita depois
do vivido e em poucas semanas. Nesse sentido, o narrador usa da memória e nos
conduz em muitos momentos a esperar os acontecimentos futuros, nos quais ele já
tem conhecimento. Kerouac é capaz de reproduzir, com propriedade, através da
memória o cheiro dos lugares.
É também em Nova Orleans que os
jovens passam dias na casa de Old Bull Lee e Jane Lee, foram momentos de muitas
conversas e uso de drogas, Sal chegou a conhecer a o acumulador de Orgones de
Bull, uma caixa no qual cabia um homem dentro, que poderia ficar sentado. Como
Paradise diz era como uma estufa mística. Depois da casa de Bull, viajaram por
muitos lugares e tiveram alguns desentendimentos: Dean resolveu abandonar Sal e
Marylou em San Francisco. Novamente Sal se viu desolado e a companhia da garota
não valeu muita coisa.
Certa
noite Marylou desapareceu com a dona de uma boate. Eu a aguardava, como
combinado, num umbral do outro lado da rua, na esquina da Larkin com a Geary,
faminto, quando ela saiu do vestíbulo de um apartamento elegante junto com sua
amiga, a dona da boate, e um velho seboso com um maço de notas. (215:2004)
Nesse
momento, o narrador nos conta que perambulou pela cidade, sem dinheiro, catando
lixo nas calçadas e com pensamentos budistas a respeito da estabilidade da Mente Essencial. Chegou a pensar que iria morrer.
Sua sorte é que o amigo Dean resolveu voltar a San Francisco para buscá-lo e o
encontrou passando fome em um hotel que Marylou o havia abandonado.
Muitos
acontecimentos se sucederam após esses episódios e Dean e Sal se encontraram
novamente após a primavera de 1949 e fizeram outras viagens, principalmente
porque a mulher de Dean resolvera colocá-lo para fora de casa. Então os dois
amigos voltaram para a balbúrdia, pensaram em até ir para a Itália, algo que
não se concretizou. Para Paradise Ali
estava um BEAT – a raiz, a alma da Beatitude. Assim, o que Dean
representava era a geração Beat e essa era a alma da geração de Kerouac.
Foram
dias de viagem pela América, com o bop despontando nos bares, os dois amigos
não conseguiam ficar parados, tinham a necessidade de viver, ainda que fosse
como loucos e resolveram ir para o leste sempre a procura ou vivendo o AQUILO.
(...)
e AQUILO era nossa alegria excitada e derradeira, a alegria que tínhamos de
falar e viver e que nos conduzia ao transe vazio que punha fim a todos os
inumeráveis pormenores angélicos e turbulentos que haviam estado à espreita em
nossas almas durante toda a nossa vida. (257:2004)
Os
capítulos finais do livro, narra desde a saída do Estado norte-americano de San
Antonio até a entrada ao México, o teor lírico no qual Kerouac descreve as
pessoas do outro país chega a encantar os leitores. O narrador descreve desde a
pobreza, a prostituição e a diferença dos lugares se comparados com o EUA até a
sinceridade das pessoas, a humildade dos policiais, das mulheres e das
crianças.
Essa
era a incrível, desinibida e definitivamente selvagem cidade dos meigos
lavradores indígenas que sabíamos que iriamos encontrar no fim da estrada. (365:2004)
Porém,
como o México era para eles um lugar muito diferente, no fim da parte 4 do
livro Paradise adoece, estava com Disenteria e fora largado por Dean em pleno
México. Ao melhorar retorna para New York e posteriormente conhece Laura, no
qual se casa. O fim de On the road e
o último encontro entre os dois amigos se dá de forma melancólica, pois
Paradise não pôde leva-lo a uma Opera que iria com Laura e o amigo Remi e assim
vê o amigo pela última vez dobrando uma esquina de New York.
O Filme
A adaptação do romance de Jack Kerouac
em seu longa realizado por Walter Salles, que fora lançado em 2012 foi de
grande impacto para o cinema mundial. A escolha da história, do elenco: que
contou com a presença de Sam Riley (Sal Paradise
/ Jack Kerouac), Garrett Hedlund (Dean
Moriarty/ Neal Cassady), Kristen Stewart (Marylou / Luanne Henderson), Alice
Braga (Terry / Bea), Kirsten Dunst
(Camille / Carolyn Cassady), Amy Adams, Tom Sturridge (Carlo Marx / Allen
Ginsberg), Viggo Mortensen (Old Bull Lee / William S. Burroughs) entre outros,
deu ao filme uma grande credibilidade. Nesse sentido, há de se concordar
que o diretor acertou em muitos momentos com a realização do filme.
Talvez, pelo grande desafio de
adaptar para o cinema uma narrativa intensa, com a presença de muitas imagens, muitos
personagens, com teor biográfico e digamos de origem norte-americana, Walter
Salles quanto à linguagem cinematográfica, não utilizou muito da ousadia que
poderia ter investido no filme. A narrativa do livro se constrói a partir do
olhar de Sal Paradise, ou seja, a narrativa é criada em primeira pessoa. Essa
construção não foi realizada por Walter Salles, uma vez que há cenas que o
personagem não está e a câmera continua a captar o enredo. Um exemplo disso é a
cena que na casa de Old Bull Lee, Marylou, Galatea e Jane Lee conversam
sozinhas ao limpar o chão, ora, nessa cena, Sal não estava presente, nesse
sentido, como poderíamos ver o que Paradise não vê?
Obviamente
que como o próprio Pasolini afirma a subjetiva livre indireta não ocorre no
cinema como na literatura, no qual o personagem pode contar sua história com
uma interiorização absoluta. Pasolini também afirma ser o recurso da subjetiva
livre indireta, mais ligada ao estilo do autor, para ele esse recurso se liga
menos a língua e mais aos recursos estilísticos do cineasta. Entendo que em Na Estrada, Walter Salles utilizou um
pouco de seu estilo talvez para dar ao filme um tom mais poético, porém, para
aqueles que leram o livro e perceberam a linguagem espontânea rítmica de
Kerouac sentiram, a partir do meio do filme, certa sensação de vazio. Além
disso, um dos recursos bem utilizado por Walter Salles é quando no início temos
a voz de Sal Paradise em off falando sobre seu pai e logo depois aparece o
personagem com um close nas pernas andando em uma estrada de terra.
Mesmo
o cinema sendo uma arte assim como a literatura, ambos tem suas limitações que
às vezes impedem a transposição de um para o outro, porque ambos, se comparados
entre si, possuem distinções linguísticas e limitações de representação. Walter
Salles, além de utilizar o livro publicado de Kerouac, também utilizou o
manuscrito do autor e finalizou o filme com Paradise escrevendo enlouquecido
suas experiências. Algumas modificações foram realizadas no roteiro do filme,
talvez para dar seguimento e não causar tanta fragmentação. Mas para aqueles
que assistiram ao filme se ter lido o livro, não puderam compreender bem o
cerne da história. Além do filme de Salles há também o livro The Americans de
Robert Frank, livro publicado no final dos anos 50 que muito se relaciona com
as descrições de Kerouac. Cheio de imagens das lanchonetes americanas, caubóis
e estradas.
Quanto ao livro, que marcou a
geração Beat, é impossível sair de sua leitura sem ter certo sentimento de
aventurança pelas estradas do mundo. As imagens transpostas pelo escritor,
assim como Goethe em seu romantismo descrevendo as paisagens, são imagens
afetuosas sobre o México e as inúmeras cidades americanas. O mundo para Kerouac
era esses lugares e essas pessoas.
(...)
e eu me arrastava na mesma direção como tenho feito toda minha vida, sempre
rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque, para mim, pessoas mesmo
são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para
serem salvos (...) (25:2004)
Assim como Whitman, Kerouac canta a América e
se apaixona pelos loucos, assim como o cinema brasileiro.
Referências Bibliográficas
KEROUAC, Jack. On
the road(Pé na Estrada). Tradução, introdução e posfácio
Eduardo Bueno. Porto Alegre: L&PM, 2004.
PASOLINI,
Pier Paolo. O cinema de poesia. In:
Ciclo Pasolini anos 60. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.
WHITMAN,
Walt. Folhas de Relva. Tradução
Luciano Alves Meira. São Paulo: Martin Claret, 2005.
Filmografia
Na
Estrada/On the road.
Direção:
Walter Salles. Brasil, 2012. Internet Download.
Pollyanna Nunes Ramalho 18/01/2013
Pollyanna Nunes Ramalho 18/01/2013