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Embora a obra poética de Maria Ângela Alvim não se caracterize pela vastidão, nem apresente uma poesia no estado maduro se comparada a outros poetas como Carlos Drummond de Andrade. Sua poesia apresenta, a meu ver, uma sensibilidade atrativa pelo modo de reter apenas o essencial.
Os livros Superfície e Barca do tempo exemplificam a singularidade dessa poesia, que formalmente se caracteriza pela presença de poemas curtos e que também adere à forma fixa do soneto. Os temas subjacentes aos símbolos e às figuras como a morte, a poesia e a impermanencia da vida e da memória se articulam com as imagens límpidas e sensoriais filtradas pela poetisa.
O título do único livro publicado em vida de Maria Ângela Alvim remete ao estado fugitivo em que o sujeito se coloca no mundo. Nem completamente na vida e nem completamente na morte.
Meus olhos são telas d’água,
Não ferem a perfeição.
Sendo a morte para esse, mais atrativa do que a própria vida. O olhar do sujeito é o olhar de quem está na superfície a contemplar a perfeição, mas que não a adentra.
É possível relacionar as formas poéticas, principalmente, de Superfície com as formas do Hai-kai, no entanto, como o próprio Carlos Drummond de Andrade afirma, a semelhança se dá mais pela forma esquiva e sugestionadora do velho poema japonês do que pelo número de sílabas do poema.
É interessante observar que em Superfície não há a presença de rimas como em Barca do Tempo. Os poemas desse primeiro livro quanto à linguagem se caracteriza pelo teor suave e límpido.
A suave manhã comoveu as pedras,
brilham os caminhos dos homens.
Ninguém se perdeu.
Também, nessa poética é possível resgatar algumas semelhanças com a tradição simbolista, que através das imagens e do uso não referencial de representação trata de reflexões sobre o estado da alma, ou melhor, do mundo interior.
No poema “A árvore não brotou no jardim”, podemos conferir a eliminação de passagens tanto no plano formal, quanto no plano temático do poema.
A árvore não brotou no jardim.
Desconheço a doçura do seio das flores.
Sou o fruto das raízes.
O sujeito assim como a árvore e como a poética de Maria Ângela Alvim, se coloca pronto diante do mundo. Em que, o fruto não vem das flores, mas diretamente das raízes.
A diferenciação entre Barca do Tempo e Superfície se dá pela presença do soneto. No entanto, essa diferença não se instala apenas no plano formal, mas também pela maior recorrência do tema da brevidade ou do caráter fugitivo da vida e da memória.
[...]
Para um tempo de olhar a cor é breve
E já no repensar foge ao momento.
Quis ser na flor, no adeus, no rio lento,
mas se não há memória, não se atreve.
[...]
Em Barca do tempo também é recorrente o uso de travessão, recurso que na obra pode ser comparado com o efeito reflexivo dos parênteses e, também à marcação de uma interlocução entre o Eu e o Tu, em que o Eu utiliza os verbos no imperativo, causando um efeito de ordem, ou sugestão.
[...]
—Não afeita à visão, tua retina!
[...]
—Não afeita à visão, tua retina!
Vence a bruma que te vem do olhar,
[...]
Mesmo com uso da forma fixa e a presença, de rimas intercaladas, é possível observar o mesmo teor reflexivo do poema “Cor”, de Barca do Tempo, com o livro Superfície. A memória se coloca como breve, fugitiva, assim como a flor que serve como figura para a vida.
Alguns poemas nos dois livros não possuem títulos próprios. O que nos leva a pensar na existência deles, não somente em si mesmos, mas presos uns aos outros. Maria Ângela Alvim utiliza em sua obra recursos formais que se unem a sua característica fugitiva e exata. E é esse estado de não profundo a esse absoluto (a morte, ou a perfeição) que concretiza a sua poesia.
Pollyanna Nunes Ramalho
ALVIM, Maria Ângela. Poemas. 3. ed. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 1993.
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