terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Dissolução


Escurece, e não me seduz
tatear sequer uma lâmpada.
Pois que aprouve ao dia findar,
aceito a noite.

E com ela aceito que brote
uma ordem outra de seres
e coisas não figuradas.

Braços cruzados

Vazio de quanto amávamos,
mais vasto é o céu. Povoações
surgem do vácuo.
Habito alguma?

E nem destaco a minha pele
da confluente escuridão.
Um fim unânime concentra-se
e pousa no ar. Hesitando

E aquele agressivo espírito
que o dia carreia consigo,
já não oprime. Assim a paz,
destroçada

Vai durar mil anos, ou
extinguir-se na cor do galo?
Esta rosa é definitiva,
ainda que pobre.

Imaginação, falsa demente,
já te desprezo. E tu, palavra.
No mundo, perene trânsito,
calamo-nos.
E sem alma, corpo, és suave.

Carlos Drummond de Andrade (Claro Enigma - Segmento Entre Lobo e Cão)



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