sábado, 10 de setembro de 2016

VERWANDLUNGEN

Ich will die Nacht um mich ziehn als ein warmes Tuch
Mit ihrem weiβen Stern, mit ihrem grauen Fluch,
Mit ihrem wehenden Zipfel, der die Tagkrähen scheucht,
Mit ihren Nebelfransen, von einsamen Teichen feucht.

Ich hing im Gebälke starr als eine Fledermaus,
Ich lasse mich fallen in Luft und fahre nun aus.
Mann, ich träumte dein Blut, ich beiße dich wund,
Kralle mich in dein Haar und sauge an deinem Mund.

Über den stumpfen Türmen sind Himmelswipfel schwarz.
Aus ihren kahlen Stämmen sickert gläsernes Harz
zu unsichtbaren Kelchen wie Oportowein.
In meinen braunen Augen bleibt der Widerschein.

Mit meinen goldbraunen Augen will ich fangen gehn,
Fangen den Fisch in Gräben, die zwischen Häusern stehn,
Fangen den Fisch der Meere: und Meer ist ein weiter Platz
Mit zerknickten Masten, versunkenem Silberschatz.

Die schweren Schiffsglocken läuten aus dem Algenwald.
Unter den Schiffsfiguren starrt eine Kindergestalt,
In Händen die Limone und an der Stirn ein Licht.
Zwischen uns fahren die Wasser; ich behalte dich nicht.

Hinter erfrorener Scheibe glühn Lampen bunt und heiβ,
Tauchen blanke Löffel in Schalen, buntes Eis;
Ich locke mit roten Früchten, draus meine Lippen gemacht,
Und bin eine kleine Speise in einem Becher von Nacht.

                                                 Gertrud Kolmar

METAMORFOSES 

Quero envolver a noite em mim feito manto quente
com sua estrela branca, com sua maldição cinza,
com sua cauda ao vento afugentando os cantos dos galos,
com suas franjas de bruma úmida dos lagos solitários.

Suspensa na viga rija feito morcego,
caio solta no ar pronta para voar.
Homem, sonhei teu sangue, te mordo, te firo,
me agarro ao teu cabelo, te sorvo a boca.

Acima das torres foscas os cimos do céu são negros.
De seus troncos nus goteja resina vítrea
em taças invisíveis, qual vinho do Porto.
Nos meus olhos castanhos fica a imagem refletida.

Com meus olhos castanhos dourados quero ir à caça
pegar o peixe nas valas que há entre as casas,
pegar o peixe dos mares: o mar é um vasto lugar
com mastros quebrados, argento naufragado.

Os sinos pesados do barco ressoam do bosque de algas.
Entre as carrancas do barco, uma, de criança, se espanta,
nas mãos o limão e na fronte uma luz.
Entre nós, as águas; eu não te guardo.

Atrás da vidraça gelada ardem lâmpadas coloridas,
colheres brilhantes mergulham nas taças, sorvete colorido;
eu fisgo com frutas vermelhas, com lábios de fruta,
eu sou uma pequena iguaria em um cálice de noite

                                     Tradução de Marcus Tulius Franco Morais

SONNET

Elizabeth Bishop

Caught — the bubble
in the spirit level,
a creature divided;
and the compass needle
wobbling and wavering,
undecided.
Freed — the broken
thermometer’s mercury
running away;
and the rainbow-bird
from the narrow bevel
of the empty mirror,
flying wherever
it feels like, gay!

                         

SONETO

Cativas – a bolha
no interior do nível,
um ser dividido;
na bússola, a agulha
oscila, em terrível
irresolução.
Libertos – o azougue,
quebrado o termômetro,
escorre no chão;
o pássaro-íris
pula do bisel
do espelho vazio,
e voa no céu
sem rumo, feliz!

Tradução de Paulo Henriques Britto

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Eu tenho um sonho!
Desses que homens vislumbram do alto de uma montanha,
desses que passam pelos caminhos e neles permanecem,
desses obsessivos que não saem diante dos olhos,
desses muito além do corpo.

Um sonho estranho...
Desses de couraças e diamantes inquebrantáveis,
desses que sopram ventos irrespiráveis.
Um sonho grisalho de mãos apertadas e olhos plácidos,
desses de lobos cinzentos com seus sons vibrantes e melancólicos.

Um sonho vazio e repleto, tal como os olhos da loucura. 
Desses de punhos cerrados que gritam por liberdade e
daqueles que se prostram expondo o dorso retorcido.

Sonhos que não só flamejam, mas que ofuscam, aquecem,
queimam e ardem os olhos vazios da desesperança – vermelhos.
Sonhos que almejam o comum, a normalidade, a iniquidade,
por isso tão distantes e estranhos, vivos e sonâmbulos.
Desses que anseiam ser mangas colhidas e sorvidas em amor.

Eu tenho um sonho, um pequeno grande sonho, um pequeno grande e
desesperado sonho!

Um sonho azul, de cabeças de vento e olhos fugazes.
Desses feito castelos de areia e olhos de vidro,
desses que carregam tantas expectativas e se edificam no ar,
desses que se perdem em tempo e calma – brancos,
que resgatam o dia da noite.
Desses enraizados em outros sonhos de pedra.


Pollyanna Nunes 

sábado, 16 de abril de 2016


Igual ao bálsamo fértil das flores, elas gotejam...

Umas escorrem e se desmancham pela face

dando aos lábios o sal e o amargor vivido,

outras seguem em cristais

convidando as mãos ao toque dissolvente em

pele - suspiros infantis, a procura na imagem, no espelho.


Mais triste do que as causas, é vê-las surgindo em meio aos

soluços interrompidos e à loucura retorcida.

Mais triste do que o fim da tarde, é o rastro líquido da

desilusão...


Não são lágrimas mais que os olhos vertem, nem ânsia de amor,

são pedras do tempo, de esquecimento e de morte.

                                                                                        Pollyanna Nunes

domingo, 24 de janeiro de 2016

Que este amor não me cegue nem me siga

Que este amor não me cegue nem me siga
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua do estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.

Que este amor só me faça descontente
E farta de fatigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só sóem ser aranhas e formigas.

Que este amor só me veja de partida.

                                                      Hilda Hilst
 Ver:

Azougue 10 anos org. Sérgio Cohn. Rio de Janeiro: Azougue Editorial 2004

De tanto te pensar, Sem Nome, me veio a ilusão












De tanto te pensar, Sem Nome, me veio a ilusão.
A mesma ilusão

Da égua que sorve a água pensando sorver a lua.
De te pensar me deito nas aguadas
E acredito luzir e estar atada
A fulgor do costado de um negro cavalo de cem luas.
De te sonhar, Sem Nome, tenho nada.
Mas acredito em mim o ouro e o mundo.
De te amar, possuída de ossos e de abismos
Acredito ter carne e vadiar
Ao redor de teus cimos. De nunca te tocar
Tocando os outros
Acredito ter mãos, acredito ter boca
Quando só tenho prata e focinho.
Do muito desejar altura e eternidade

Me vem a fantasia de que Existo e Sou.
Quando sou nada: égua fantasmagórica
Sorvendo a lua n'água.

                                  Hilda Hilst

Ver:

Azougue 10 anos org. Sérgio Cohn. Rio de Janeiro: Azougue Editorial 2004.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

 
Gregor Samsa e a sua metamorfose

 

Em “A metamorfose”, livro narrado em terceira pessoa, Franz Kafka nos conta a história de um homem, Gregor Samsa, que se torna um inseto. A estranheza do enredo vem à tona logo na primeira frase da novela: “Quando Gregor Samsa, numa certa manhã despertou de seus sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama transformado em um inseto monstruoso”. (p. 1, 2007, tradução nossa). A partir de sua metamorfose, Samsa, enquanto inseto estranho, não consegue mais realizar suas atividades diárias, como por exemplo, o trabalho de caixeiro-viajante.  Assim, o narrador descreve minunciosamente as dificuldades do protagonista ao se levantar da cama, ao perceber-se atrasado para o trabalho. Além disso, a obra cria certa expectativa na aparição do inseto à família e ao procurador da empresa, que vai até a casa de Samsa para saber a respeito de seu atraso na estação ferroviária. 

O pai (figura importante em toda obra de Kafka), a mãe e a irmã Grete, além do procurador, ficam todos assustados com a aparição de tal inseto. E talvez, a maior estranheza da cena está no fato de Samsa, mesmo com a aparência repugnante de um bicho, possuir ainda as características psicológicas humanas. Partindo desse ponto, todas as relações afetivas e profissionais construídas pelo protagonista se desfazem. O trabalho que sustenta a família, bem como a convivência torna-se algo improvável.

Grete é, ao longo da narrativa, a única que leva comida para o irmão, tentando assim, estabelecer a velha relação, pois era ele quem a incentivara a fazer o curso de violino. Não obstante, dia após dia, a repugnância ao inseto se demonstra através dos sustos e da rejeição. Além disso, a família se vê sem a força de trabalho deste provedor, que antes pagaria o curso de violino e as principais contas da casa, e que após a metamorfose torna-se um estranho a ocupar um quarto e a causar constrangimento à família.

 Durante toda narrativa instala-se o impedimento afetivo na convivência familiar até a morte de Gregor. Portanto, é interessante observar como em “A metamorfose” o desemprego e a crise econômica se colocam como pano de fundo necessário na compreensão da obra. No fim da história, o estranho se apercebe de sua condição inútil e subterrânea dentro do âmbito familiar e morre em seu quarto sozinho. 

 Após a morte de Gregor, a empregada empurra seu corpo com a vassoura e, como descreve o narrador, era o fim do mês de março, ou seja, o início do verão, desse modo, a morte sublinha o fim da angustia vivida pela família. A metamorfose representa não só a mudança no ambiente familiar, mas, sobretudo, a transformação do sujeito a partir da exploração, que dentro da organização social da época não serve, senão para o trabalho.

 Pollyanna Nunes Ramalho
 
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