sábado, 29 de agosto de 2015

É isso!



O sol me encarava e eu sabia que ele era apenas o fogo
que queimava meus lábios pouco a pouco
e me fazia sentir que eu não poderia ser mais nada do que isso.
Hipocrisia seria dizer que isso é muito, pois é tão pouco.

Talvez, não haja arte alguma na vida ou arte é a vida
em  inconstante encenação, mas nada disso faz diferença,
porque sempre estremeço diante dela.
O amor, eu nunca entendi - a palavra, presa em seu labirinto de significações,
como o sol não tateável que nunca se apreende.

Mas a impossível luz se faz necessária, como o frescor do dia
a iluminar a solidão de um bem-te-vi num coreto vazio.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Altas horas



Há tantas noites, pairam meus pensamentos
sobre as montanhas ogivais deste lugar e
se adentram espectralmente através das três
faces da cidade: a adormecida, a acesa e a fantasmagórica.

Há tantas noites, eles seguem a imaginar
os corpos esticados enredados na trama dos lençóis.

Há tantas noites, eles abandonam o meu corpo tão desfeito
e fluem em direção a cifra dos segredos...

Além deles... Quantos seres adormecem solitários engolfados
 no próprio desejo de encerramento?

Nas covas da imensa escuridão, quantos corpos se enterram ou
quantas mulheres se debatem à luz de uma nova vida?

Em quantas ruas ou becos se embalam seres transfigurados em
restos de lixo? Seres que seguem como  fantasmas
entregues a eterna convalescença.

Por um lance de minutos, eles pairam novamente... e eu
não quero ir mais contra – que fiquem então ao meu lado,
que me façam ver o espelhamento do dia –  meus pensamentos.

E eles retornam através da descontinuidade e de uma
lógica desfeita ou embaralhada.  De modo latente
e inseguro, eles adentram  à cidade, que expele o seu bafo amargo e úmido.


Mas agora, tudo isso não importa. Enfim...
O dia surge, o sono vem e os pensamentos cessam.


                                                                  Pollyanna Nunes Ramalho Magalhães

domingo, 29 de março de 2015

Inválida busca

Caminho em busca de algo sempre,
em busca de uma direção difusa e
ao mesmo tempo pontual,
eu procuro um sentido oposto
da rigidez cerimonial.

Não procuro mais plenitude etérea,
apenas procuro incessantemente a hospede expectativa,
eis um olhar de ser para ser seminal.

Eu busco e busco, mas sempre esse vazio...
e regresso e sigo para saber de minha solidão.
Tudo isso para acabar serpenteada pelo fio de meu amargo sexo final.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Ich lebe mein Leben in wachsenden Ringen/ Eu vivo minha vida em anéis crescentes



















Eu vivo minha vida em anéis crescentes,
que se anelam sobre as coisas.
Talvez, os últimos não completarei,
mas quero tentar.

Eu circulo em direção à Deus, à torre de outrora,
e circulo por mil longos anos;
e eu ainda não sei: se sou um falcão, uma tempestade,
ou um grande canto.

Trecho: Tradução instrumental - Pollyanna Nunes Ramalho




Ich lebe mein Leben in wachsenden Ringen
die sich über die Dinge ziehn.
Ich werde den letzten vielleicht nicht vollbringen,
aber versuchen will ich ihn.

Ich kreise um Gott, um den uralten Turm
und ich kreise jahrtausendelang;
und ich weiβ noch nicht: bin ich ein Falke, ein Sturm
oder ein groβer Gesang.

Reiner Maria Rilke

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Lembranças



 
Sobre a mesa da casa, inúmeras fotografias,

e no silêncio do recinto despido, tantas memórias vazias,

frias e congeladas, soltas ao vento...

A velha máquina de escrever, os vestidos finos puídos,

os espelhos partidos, lapso de palavras, manchas e urticárias.

 

As flores mergulhadas em lágrimas, as tílias que não curam

do abismo inapreensível do tempo.

A contingência do ser e o leve sorriso destruindo-se num flux de velocidade.

Um começo & um fim? A existência refletida no mar azul de um doce canto ou  de um simples abismo de recordações.

 

 

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O ônibus, a mulher e o dinheiro

        

A Leonardo Magalhães, quem imaginei para escrever este conto. 



Um dia desses pela manhã, um dia como qualquer outro, estava dentro do ônibus em pé. Olhei em direção a rua e vi tantos carros e então percebi que simplesmente não conseguiria chegar no horário. O ônibus quase parado, fiquei muito nervoso.  Eu estava no fundo do ônibus e após 15 min. uma moça disse, com um sorriso no rosto:




__ Senta aí, vou descer!


Como chegou ao destino, o alívio dela era visível. Com uma sutil piscada agradeci  e prontamente me sentei.  As minhas pernas também agradeceram.  E em poucos minutos não sentia mais o peso do corpo, estava aliviado. No entanto, sem pensar mais nas dores que sentia nas pernas e no meu atraso, que certamente seria excessivo, pois se perde um ônibus por 2 minutos, perde-se o metrô, chega-se 1 hora em atraso.


Comecei a observar os carros que passavam em torno e paralelamente ao ônibus.  Senti-me uma sardinha e o ônibus obviamente era a lata. Havia Fords, Fiats, Volkswagens, motos japonesas, ambulâncias, pessoas, semáforos, linhas de pedestres, curvas, longas avenidas em obras intermináveis, suor, trabalhadores, estudantes, crianças, mulheres belas cheirosas, mulheres cansadas, mulheres tristes, mulheres com dores, por causa das vaidades e dos scarpans que asfixiam os dedos dos pés, homens escanchados nos bancos do veículo que nos levariam aos mesmos e tão distintos destinos.


 Não queria estar ali e queria estar ali. Não queria, pois a posição de atrasado e mais do que isso a posição de se observar dentro de uma cidade caótica, certamente me impediria de dormir a noite.


Eu poderia passar todos os dias por aquele trajeto sem me atentar para as vidas que ali estavam, mas raramente consigo dormir com tranquilidade. Enquanto várias cenas e sentimentos passavam em minha mente, refletia também em quais seriam os tormentos do motorista, que talvez sentisse enorme vontade de largar o volante e sair correndo, ou o trocador, que teria enorme desejo de despejar suas angústias em algum passageiro. Tantas pessoas com suas próprias aflições juntas dentro de uma ordem completamente desordenada. O que será que as ligam umas as outras dentro de um espaço, no qual todos deveriam estar bem acomodados? O respeito, o medo das punições, a chamada ordem dentro da sociedade, ou a espera da recompensa de objetivos fantasiados por cada um?


Sinto-me tonto, o porquê da tonteira, obviamente é o sol que resolveu encarar-me sem obstáculos. E é claro observar o trânsito é uma forma interessante de sentir e medir a vida de uma cidade.


O fato é que eu estava no estado de transe alucinante e permaneci por alguns momentos, foi então que depois de acordar de minhas reflexões percebi o tamanho de meu atraso, estava atrasadíssimo... E, é claro, sem vontade de chegar ao trabalho. Mesmo morando há mais de cinco anos aqui, eu jamais poderia compreender o ritmo desta cidade.


Nestes últimos anos, ouvi tantas histórias, por exemplo, um jovem me contou que já viu gente passar mal dentro do ônibus a ponto de morrer. Nem listarei casos como os de homens que se aproveitam da hora do rush e se alisam em alguma mulher ou vice-versa.  Ou os casos de briga. As atitudes estão distorcidas. Não há mais um controle de emoções e todos estamos sujeitos a elas, as explosões. E depois de tantos pensamentos, fechei os meus olhos e quando abri reparei que o ônibus já estava vazio e uma moça sentou-se ao meu lado:


— Bom dia, o senhor pode abrir um pouco a janela?


— Claro!


— Muito obrigada.


— Meu nome é Ana e o seu?


— De nada, não tem nada demais em abrir a janela, não custa.


— É verdade não custa, você é bem educado, as pessoas não costumam ser assim comigo. Você não é daqui?


__ Não, não sou.


 __ Olha! Tudo bem que você não me disse o seu nome, mas posso deitar um pouco em seu obro? É que... O vento da janela é bom, mas me dá uma sonolência. E daqui a pouco irei descer e pegar outro ônibus.


Não sei o porquê, mas por algum motivo eu quis ser cordial, e como era simpática, olhei atentamente para ela, parecia alta e tinha pernas cortantes, nada teria de errado nisso. Mas o estranho foi quando senti a mão dela percorrendo por um instante minha barriga e logo depois, minhas calças. Foi uma sensação ótima, mas ao mesmo tempo pensei no risco, afinal não estávamos em local apropriado, por sorte estávamos mais no fundo do ônibus já vazio e ela apertava e esfregava aquelas mãos em mim. Entrei em transe. Depois ela se levantou e desceu do ônibus.


Foi um dia diferente, mas quando voltei a mim, notei que minha carteira fora levada. Felizmente eu a recuperei, fui até o local no qual a moça desceu e lá estava a carteira jogada ao chão com meus documentos. O dinheiro não havia mais, é claro. E realmente nunca entendi o que acontecera naquele dia, se realmente aquela moça de belas pernas existiu.


Depois do acontecimento resolvi não ir ao trabalho, liguei a meu chefe e disse que havia sido assaltado. Ele perguntou se eu havia dado queixa a polícia e eu disse que não, pois havia ficado tão transtornado que mal consegui agir com lucidez. Percebi que ficou preocupado e disse para me acalmar:


__ Meu caro Fernando, é preciso que entenda, a vida na cidade, aliás meu caro em qualquer lugar do mundo, é assim mesmo!


E a moça?  Mesmo repetindo o meu trajeto por todos os dias eu nunca mais a vi. E essa história apenas se tornou uma doce lembrança dessa cidade que guarda tantas ilusões.


Pollyanna Nunes Ramalho 23/01/2015