A Leonardo Magalhães, quem imaginei para escrever este conto.
Um dia desses pela manhã, um dia
como qualquer outro, estava dentro do ônibus em pé. Olhei em direção a rua e vi
tantos carros e então percebi que simplesmente não conseguiria chegar no
horário. O ônibus quase parado, fiquei muito nervoso. Eu estava no fundo do ônibus e após 15 min.
uma moça disse, com um sorriso no rosto:
__ Senta aí, vou descer!
Como chegou ao destino, o alívio
dela era visível. Com uma sutil piscada agradeci e prontamente me
sentei. As minhas pernas também
agradeceram. E em poucos minutos não
sentia mais o peso do corpo, estava aliviado. No entanto, sem pensar mais nas
dores que sentia nas pernas e no meu atraso, que certamente seria excessivo,
pois se perde um ônibus por 2 minutos, perde-se o metrô, chega-se 1 hora em
atraso.
Comecei a observar os carros que
passavam em torno e paralelamente ao ônibus.
Senti-me uma sardinha e o ônibus obviamente era a lata. Havia Fords,
Fiats, Volkswagens, motos japonesas, ambulâncias, pessoas, semáforos, linhas de
pedestres, curvas, longas avenidas em obras intermináveis, suor, trabalhadores,
estudantes, crianças, mulheres belas cheirosas, mulheres cansadas, mulheres tristes,
mulheres com dores, por causa das vaidades e dos scarpans que asfixiam os dedos
dos pés, homens escanchados nos bancos do veículo que nos levariam aos mesmos e
tão distintos destinos.
Não queria estar ali e queria estar ali. Não
queria, pois a posição de atrasado e mais do que isso a posição de se observar
dentro de uma cidade caótica, certamente me impediria de dormir a noite.
Eu poderia passar todos os dias por
aquele trajeto sem me atentar para as vidas que ali estavam, mas raramente
consigo dormir com tranquilidade. Enquanto várias cenas e sentimentos passavam
em minha mente, refletia também em quais seriam os tormentos do motorista, que
talvez sentisse enorme vontade de largar o volante e sair correndo, ou o
trocador, que teria enorme desejo de despejar suas angústias em algum
passageiro. Tantas pessoas com suas próprias aflições juntas dentro de uma
ordem completamente desordenada. O que será que as ligam umas as outras dentro
de um espaço, no qual todos deveriam estar bem acomodados? O respeito, o medo
das punições, a chamada ordem dentro da sociedade, ou a espera da recompensa de
objetivos fantasiados por cada um?
Sinto-me tonto, o porquê da tonteira,
obviamente é o sol que resolveu encarar-me sem obstáculos. E é claro observar o
trânsito é uma forma interessante de sentir e medir a vida de uma cidade.
O fato é que eu estava no estado de
transe alucinante e permaneci por alguns momentos, foi então que depois de
acordar de minhas reflexões percebi o tamanho de meu atraso, estava atrasadíssimo...
E, é claro, sem vontade de chegar ao trabalho. Mesmo morando há mais de cinco
anos aqui, eu jamais poderia compreender o ritmo desta cidade.
Nestes últimos anos, ouvi tantas
histórias, por exemplo, um jovem me contou que já viu gente passar mal dentro
do ônibus a ponto de morrer. Nem listarei casos como os de homens que se
aproveitam da hora do rush e se
alisam em alguma mulher ou vice-versa.
Ou os casos de briga. As atitudes estão distorcidas. Não há mais um
controle de emoções e todos estamos sujeitos a elas, as explosões. E depois de
tantos pensamentos, fechei os meus olhos e quando abri reparei que o ônibus já
estava vazio e uma moça sentou-se ao meu lado:
— Bom dia, o senhor pode abrir um
pouco a janela?
— Claro!
— Muito obrigada.
— Meu nome é Ana e o seu?
— De nada, não tem nada demais em
abrir a janela, não custa.
— É verdade não custa, você é bem
educado, as pessoas não costumam ser assim comigo. Você não é daqui?
__ Não, não sou.
__ Olha! Tudo bem que você não me disse o seu
nome, mas posso deitar um pouco em seu obro? É que... O vento da janela é bom,
mas me dá uma sonolência. E daqui a pouco irei descer e pegar outro ônibus.
Não sei o porquê, mas por algum
motivo eu quis ser cordial, e como era simpática, olhei atentamente para ela, parecia
alta e tinha pernas cortantes, nada teria de errado nisso. Mas o estranho foi
quando senti a mão dela percorrendo por um instante minha barriga e logo
depois, minhas calças. Foi uma sensação ótima, mas ao mesmo tempo pensei no
risco, afinal não estávamos em local apropriado, por sorte estávamos mais no
fundo do ônibus já vazio e ela apertava e esfregava aquelas mãos em mim. Entrei
em transe. Depois ela se levantou e desceu do ônibus.
Foi um dia diferente, mas quando
voltei a mim, notei que minha carteira fora levada. Felizmente eu a recuperei,
fui até o local no qual a moça desceu e lá estava a carteira jogada ao chão com
meus documentos. O dinheiro não havia mais, é claro. E realmente nunca entendi
o que acontecera naquele dia, se realmente aquela moça de belas pernas existiu.
Depois do acontecimento resolvi não
ir ao trabalho, liguei a meu chefe e disse que havia sido assaltado. Ele
perguntou se eu havia dado queixa a polícia e eu disse que não, pois havia
ficado tão transtornado que mal consegui agir com lucidez. Percebi que ficou
preocupado e disse para me acalmar:
__ Meu caro Fernando, é preciso que
entenda, a vida na cidade, aliás meu caro em qualquer lugar do mundo, é assim mesmo!
E a moça? Mesmo repetindo o meu
trajeto por todos os dias eu nunca mais a vi. E essa história apenas se tornou
uma doce lembrança dessa cidade que guarda tantas ilusões.
Pollyanna Nunes Ramalho 23/01/2015
Pollyanna Nunes Ramalho 23/01/2015
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