Crescem do coração das trevas cinzas e espessas montanhas
Partem do negrume dos asfaltos singelas mendigas de chinelo
Aparecem deslanchados nos quintais pequeninas cadelas como a Soneca
Serafins anestesiam prostitutas pobres
Constantemente Botos semeiam anjos nas ruas
Luzes borradas em meio às telas da realidade nua
Púrpuras unhas arranham o céu de areia
Saltam dos olhos dos bêbedos sangue e prata
Tranças de ferro em meio a comida
Cenas se misturam em noites loucas e frias
Amalgamados estão sob viadutos um turbilhão de vidas
Neste blog, há textos de aulas que assisti durante graduação em Letras, são contos, poemas, entre outros. "Leituras descontínuas" tem relação com as leituras que faço no dia-a-dia. São leituras de poemas, trechos de livros, pois que não existe continuidade nas leituras: lê-se um livro, uma imagem, um outdoor, um poema, um conto, uma crônica, por isso a descontinuidade. A maior parte dos textos - quando meus, são apenas ficções, sem correspondência exata com a realidade.
quarta-feira, 28 de agosto de 2013
domingo, 14 de julho de 2013
O Cosmopolitismo em Augusto de Campos e o poeta provençal Arnaut Daniel
A
soma da sabedoria humana não está contida em nenhuma linguagem e nenhuma
linguagem em particular é CAPAZ de exprimir todas as formas e
graus da compreensão humana.
Ezra
Pound (pág. 38: 1995)
É
em muito a contribuição de Haroldo e Augusto de Campos para a literatura
brasileira, contribuição essa que em grande parte está nas diversas traduções
que os irmãos realizaram. E é a partir desse trabalho que a língua portuguesa
possui uma visão de diversas obras e de escritores que fazem parte da
literatura mundial. A partir do trecho acima, na qual
Ezra Pound afirma que nenhuma linguagem é capaz de conter em si toda a
sabedoria humana é entendido que o cosmopolitismo é imanente à literatura. Nessa
direção, creio que o motivo disso está no fato da necessidade urgente da
literatura de dizer e de tentar refletir fatos, sentimentos e reproduzir
diferentes culturas. Trato aqui, não de um cosmopolitismo rígido e ideológico,
mas sim daquele que se volta para as relações multiculturais, um cosmopolitismo
do espaço: que valoriza os diversos lugares, paisagens e direitos de ir e vir;
um cosmopolitismo do tempo: no qual escritores antigos se relacionam a
escritores atuais e também, por que não a um cosmopolitismo linguístico,
literário, no qual através de transcrições se é possível resgatar sentimentos
esquecidos ou nomear/dizer o que em determinada língua não se pode ser dito.
Uma
das importantes contribuições dos irmãos Campos é o trabalho realizado com a
poesia provençal. O provençal é considerado por muitos filólogos e linguistas
modernos como um dos dialetos dentro da língua occitana/ Langue d’oc, no qual
se tem como figuras importantes os poetas Raimbaut e Arnaut Daniel. A partir
disso e de algumas traduções realizadas por Ezra Pound, Augusto de Campos se
interessou em dar continuidade nas traduções dessas poesias. Poesias essas, que
nos sécs. XII/XIII retratavam a visão do amor livre e que nas palavras de
Augusto pode ser lida como signo
subversivo de ideologias mais generosas. Signo, que nesse sentido, foi de
caminho contrário à sociedade patriarcal da época. Assim, os poetas são Antenas, à maneira de Pound, antenas de raça, ou melhor, a arte como radar cita McLuhan, poesia
essa que se deu como a frente de seu tempo.
A
partir da canção danielina, bem como através da tradução realizada por Augusto
é possível perceber que as palavras bem amarradas e sons engendram um efeito
melódico relacionado aos temas tratos por essa poesia. Um exemplo disso está na
canção XIII, ER VEI VERMEILLS, VERTZ,
BLAUS, BLANCS, CRUOCS, no qual a rima do primeiro verso/linha se repete em
todas as primeiras linhas das outras estrofes/ coblas. Ou seja, neste poema, há
o que Campos chama de coblas singulars.
Outro aspecto importante são os jogos de palavras, as aliterações e as
assonâncias criando assim o que Pound caracterizou como importante na poesia
provençal, a melopeia.
Vermelho
e verde e branco e blau,
Vergel,
vau, monte e vale eu vejo,
a
voz das aves voa e soa
em
doce acordo, dia e tarde;
então
meu ser quer que eu colora o canto
de
uma flor cujo seja amor
grão,
alegria, e olor de noigandres.*
(pág.
111:1987)
Uma
das sensações provocadas por esse amor é o cheiro que protege contra o tédio, enoi gandres, palavras que foram aglutinadas por Augusto, a partir da
decomposição de Emil Lévy (ennui/tédio, gandres/proteger) para noigandres. O
lirismo de Arnaut parte do plano formal e nos conduz ao encanto, que a mulher
amada tem sobre seu cantor, cantor esse que não compreende a não comoção de
Deus diante de seu abatimento causado pelo tempo, separador dos amantes. Nesse
sentido, a figura feminina vale tão ou mais que os tesouros do Tigre e do Meandres, vale mais que as glorias de um
imperador e é a matéria de música para o compositor.
Quando
Pound em o ABC da Literatura
(tradução de Augusto de Campos) diz que Se
a literatura de uma nação entra em declínio a nação se atrofia e cai. O que
posso pensar para este trabalho é que a literatura também é um meio de
conservar, seja uma língua, um dialeto, uma visão de mundo. Assim, a cultura
provençal em parte está conservada nas canções de Arnaut e de outros poetas do
período. E quando Anthony Appiah usa a seguinte expressão: Numa única polis não há sabedoria, posso refletir essas palavras
para leitores de literaturas e tradutores que buscam conhecimento em poesia
provençal, ou em literaturas atuais de suas línguas nativas ou não,
estabelecendo assim o seu próprio paideuma,
ou o seu próprio cânone.
Referências
APPIAH,
Kwame Anthony. Patriotas cosmopolitas.
Revista Brasileira de Ciências Sociais
vol. 13 n. 36. São Paulo: Anpocs, 1998.
CAMPOS,
Augusto de. MAIS PROVENÇAIS. Companhia
das Letras: São Paulo, 1987.
NUSSBAUM, Martha C. Patriotism and Cosmopolitanism. In:
M. C. Nussbaum et al. For Love of Country? Boston: Beacon,
1996, reed. 2002; Patriotismo y
cosmopolitismo. In: M. C. Nussbaum
et al. Los límites del patriotismo. Barcelona: Paidós, 1999.
POUND,
Ezra. ABC da Literatura. Trad.
Augusto de Campos e José Paulo Paes. Ed Cultrix: São Paulo, 1995.
sábado, 6 de julho de 2013
Álvares de Azevedo, Byron: cosmopolitismo e nacionalismo
Durante
o romantismo realizado no Brasil, muitos poetas optavam por uma estética
vinculada, aos dramas nacionais e alguns até acreditavam que para se consolidar
a literatura brasileira era necessário tratar das paisagens locais. Ainda que Àlvares de Azevedo seja um poeta do período
romântico da literatura brasileira, a temática de sua poesia não está vinculada
àquela tentativa de desprendimento da literatura européia e de dar forma a uma
identidade nacional, algo que aconteceu com os escritores categorizados como de primeira geração.
Ao avaliar o opúsculo de Gonçalves de Magalhaens,
no momento em que o autor fala Sobre a História
da Literatura no Brasil fica evidente seu caráter de manifesto, ou melhor,
o autor dá exemplos literários e históricos destinados a um fim, ou seja, o
autor evidencia certo instinto oculto, que pensava ser necessário para
a formação de uma literatura nacional. Para Gonçalves de Magalhaens, a paisagem
brasileira seria a matéria de poesia necessária para despertar o espírito de
uma literatura independente. No entanto, utilizando aqui o mesmo pensamento de
Machado de Assis em o Instinto de
Nacionalidade, obras como as de Byron
e de Goethe, não deixaram de ser valiosas para suas respectivas nações só
porque trataram de outras paisagens que não inglesa ou alemã.
Ainda
sobre o ponto de vista nacionalista e partindo para um campo politico e
filosófico, Martha Nussbaum em For love
of Country faz uma dura crítica a respeito de um nacionalismo exacerbado,
que substituí valores universais como a justiça e os direitos humanos por
valores ligados a um ídolo colorido.
o Ensaio de Nussbaum que foi realizado em 1994 e que ganha nova forma após
os atentados de 11 de setembro, dá ênfase a uma politica do cosmopolitismo. Já
o filosofo Appiah a partir de sua tradição familiar ressalta a necessidade de
um patriotismo cosmopolita. Nesse sentindo, ao trazer os conceitos de
nacionalismo e cosmopolitismo para o campo literário é nítido observar que
autores como Byron e Álvares de Azevedo não detinham em suas obras preocupações
nacionalistas e cosmopolitas. Apesar disso, é notável que Byron em seu modo de
viver e em sua obra constrói uma personagem desgarrada de sua pátria/Albion,
Adeus
ó terras da pátria,/que oculta o ceruleo mar,/Bramão os ventos e as vagas,/Oiço
o alcião grasnar: Aquele sol que declina, Nós vamos acompanhando, Não só a ti,
mas a ele, Feliz noite desejando. (1863:16)
A voz irônica do
peregrino Childe Harold, demostra seu sentimento de exilio diante de uma pátria
que não mais poderia o satisfazer. Também é notável, que Àlvares de Azevedo, leitor
feroz da literatura europeia, utiliza-se de referências como Byron, Vitor Hugo,
Shakespeare, Goethe e Musset, um exemplo disso é sua obra Lira dos vinte anos e o poema O
Conde Lopo. Alem disso é possível
identificar que Álvares fala da paisagem brasileira, como no poema Na minha terra, pois as palavras pinheiro, mangueira, rancho, viola, serra e
laranjeira são típicas do Brasil, entretanto o autor cita também a Itália, portanto
se esclarece que a terra desse eu lírico é uma terra que vai além das origens
do autor, e está mais ligada à terra de ares góticos, melancólicos, imaginados
e inscritos nas obras europeias.
Minha terra sombria és
sempre bela,/Inda pálida vida a vida,/ Como o sono inocente da donzela, /No
deserto dormida! (1996:16)
A
meu ver, não há erro em ser patriota como Whitman cantando a América, Fernando
Pessoa cantando a Portugal. O problema se dá, quando se passa por cima de
tantos outros valores em nome de uma pátria. Portanto, creio que a poética de
Lord Byron e de Álvares não possui uma preocupação direta em ser nacionalista e
nem de ser cosmopolita. Contudo é inegável que ainda que o jovem Álvares não
tenha viajado fisicamente à Europa, sua literatura revela um enorme conhecimento
da cultura europeia e um manejo peculiar com as letras brasileiras. Assim tanto
Byron, o romântico Inglês de uma personalidade excêntrica, quanto Álvares de
Azevedo são cosmopolitas no sentindo de serem escritores, que de modos
diferentes tiveram contato com culturas diversas que não a suas e que trataram
de temáticas vinculadas ao amor, ao desejo, as traições, as ambições e as
ânsias dos sujeitos errantes, temas esses que são universais.
Referências
APPIAH,
Kwame Anthony. Patriotas cosmopolitas.
Revista Brasileira de Ciências
Sociais vol. 13 n. 36. São Paulo: Anpocs, 1998.
ASSIS,
Machado de. Instinto de Nacionalidade. Publicado
originalmente em O Novo Mundo 1873, Nova Aguiar, vol. III. Rio de Janeiro:
1994.
AZEVEDO, Álvares de. Lira dos Vinte Anos. São Paulo: Martins
Fontes, 1996. Coleção (Poetas do Brasil)/ Acessado em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000021.pdf
MAGALHAENS,
D. J. Gonçalves de. Opusculos: Historicos
e Literarios. Rio de Janeiro: Livraria de B. L. Garnier,1865.
NUSSBAUM, Martha C. Patriotism and Cosmopolitanism. In:
M. C. Nussbaum et al. For Love of Country? Boston: Beacon,
1996, reed.
2002; Patriotismo y cosmopolitismo. In: M. C. Nussbaum et al. Los límites del
patriotismo. Barcelona: Paidós, 1999.
quinta-feira, 31 de janeiro de 2013
Na estrada com Jack Kerouac e Walter Salles
A pé e com o coração iluminado, adentro a estrada aberta,
Saudável, livre, o mundo adiante de mim,
a
longa senda marrom em minha frente, conduzindo-me para onde
[quer que eu escolha.
A partir de agora não peço mais pela boa
sorte, pois eu mesmo sou
[a boa sorte,
A partir de agora abandono as lamúrias,
não mais procratismo, de
[nada mais necessito,
Estou farto de reclamações entre quatro
paredes, bibliotecas, críticas
[conflituosas
Forte e satisfeito eu viajo pela estrada
aberta.(...)
Jack
Kerouac em 1951, a partir das viagens e situações vivenciadas que duraram
aproximadamente sete anos, com seus amigos: Neal Cassady, Allen Ginsberg e
Willian S. Burroughs, escreveu em poucas semanas o Romance que seria
considerado anos mais tarde a Bíblia da juventude norte-americana. E mais do
que isso, um símbolo da geração Beat. No entanto, o sucesso do livro não
ocorreu tão rápido, o livro de Kerouac chegou a ser rejeitado por muitas
editoras e revisado várias vezes, principalmente por ter utilizado em seu
manuscrito o nome original de seus amigos. De qualquer forma nada conteve o
sucesso da obra que acabou deslanchando na estrada literária.
No Brasil, a
primeira tradução do livro fora realizada por Eduardo Bueno e
pela editora L&PM, que na década de 80 se deparou com a mesma efervescência
da juventude norte-americana dos anos 60. Nesse contexto brasileiro, também
foram traduzidos outras obras como Uivo de Allan Ginsberg, com
tradução realizada por Cláudio Willer entre outras.
Aqui
também é interessante ressaltar que em 1992, como cita Eduardo Bueno,
(...)
Francis
Coppola (o produtor), Guns Van Sant (o diretor) e Johnny Depp (o ator)
envolveram-se numa filmagem nunca concretizada do livro (...). Talvez o motivo pela não
realização do filme, na época, se dê pelo enorme desafio de reproduzir tantas
informações na linguagem cinematográfica. (12:2004).
A
partir disso há de se avaliar que Walter Salles deu um grande passo
a frente ao filmar Na Estrada.
O Livro
Sal
Paradise, protagonista de On The Road em primeira pessoa narra suas
experiências viscerais como um viajante entregue ao acaso.
Inicialmente, a personagem de forma implícita expõe acontecimentos do passado
como a morte de seu pai e uma separação conjugal, assim conduzindo seus
leitores ao porvir de uma imensa highway.
Estrada essa, que continha a presença de Dean Moriarty ao longo de quase
toda a narrativa. Assim começa o livro, com as recordações de Paradise ao
conhecer em New York/1947 Dean e sua namorada Marylou.
As
primeiras impressões que o protagonista teve com relação a Dean, são muito
importantes para o desenvolvimento do enredo. O amigo simbolizava uma juventude
ativa, sem preocupações, sem preconceitos, uma vida plena de musicalidades e aventuras.
Se para um deles as experiências eram compartilhadas através da escrita, para o outro expressão se dava através da corporeidade. Após a apresentação entre Dean e Carlo Marx e algumas perambulações entre as ruas, casas e bares de New York, na primavera de 47 os grupos se dispersaram e cansado de ficar em New York, Sal resolveu cair na estrada. Sozinho, com apenas 50 dólares no bolso e o desejo de ir ao Oeste americano, percorrera longos caminhos, e também conhecera muitas pessoas e paisagens desconhecidas.
Se para um deles as experiências eram compartilhadas através da escrita, para o outro expressão se dava através da corporeidade. Após a apresentação entre Dean e Carlo Marx e algumas perambulações entre as ruas, casas e bares de New York, na primavera de 47 os grupos se dispersaram e cansado de ficar em New York, Sal resolveu cair na estrada. Sozinho, com apenas 50 dólares no bolso e o desejo de ir ao Oeste americano, percorrera longos caminhos, e também conhecera muitas pessoas e paisagens desconhecidas.
Através
de inúmeras caronas, perambulações entre trilhos de trens e muitas imagens seja
de paisagens como a do rio Mississipi, das montanhas, seja de vagabundos,
andarilhos, de hipsters e de caubóis, o protagonista seguia com a vontade de
chegar ao Oeste, especificamente, em Denver para se juntar a todos os amigos. No
entanto, mesmo em Denver ao passar algumas noites na casa de Chad King, não
teve tanto contato como gostaria com Dean e Carlo Marx, por puro desacordo
entre colegas.
Chad
King, Tim Gray e Roland Major, junto com os Rawlins, estavam basicamente
dispostos a ignorar Dean Moriarty e Carlo Marx. E eu estava bem no meio deste
curioso confroto. (pp.
61:2004).
Após
um período em Denver, algumas festas, conversas literárias com Carlo, Sal estava
pronto para mais viagens. Saindo de Denver passando por Salt Lake City e mais
alguns quilômetros se encontrava amparado na Califórnia e na casa de Remi e sua
esposa Lee Ann. Nesse período, com ajuda de Remi conseguiu um trabalho de
segurança e conviveu durante um tempo com o amigo e a esposa. Trabalhara,
mandara dinheiro para sua tia (que no manuscrito é a mãe), presenciara muitas
brigas entre o casal, sentira desejos pela esposa do amigo e também chegaram juntos a até passar
algumas dificuldades e novamente partiu sem rumo.
Em
um ônibus a caminho de LA, depois de algumas desventuras na estrada e se
sentindo sozinho, Paradise conhece a jovem mexicana Terry e se apaixona.
Talvez, seja este um dos momentos mais melancólicos do livro. O protagonista,
um jovem escritor sem rumo, sem dinheiro se apaixona por uma jovem mulher pobre
e com um filho. O narrador descreve as ruas de LA, com seus bares e a falta de
camaradagem entre as pessoas. E acrescenta:
Todos
os policiais de LA pareciam gigolôs atraentes, obviamente tinham vindo a LA
tentar a sorte no cinema. Todo mundo tinha vindo tentar a sorte no cinema, até
mesmo eu. Terry e eu finalmente fomos reduzidos a tentar conseguir um emprego
em South Main Street entre balconistas vulgares (...) (117:2004).
Assim
resolveram sair de LA e como estavam sem dinheiro decidiram ir para Bakersfield
e trabalharam colhendo algodão. Por muitos dias Sal se sentia um camponês,
estava com Terry e por instantes esquecera até mesmo de Dean. Mas ele sabia que
não poderia ficar muito tempo levando uma vida tão diferente da sua e que Terry
deveria ficar com sua família.
Olhei
para o céu escuro e pedi a Deus por uma vida menos árdua e uma chance melhor
para fazer algo por aquela gente que eu amava. Mas ninguém estava prestando
atenção em mim lá em cima. (128:2004
Deixando
Terry com sua família e sem lugar para ficar, novamente ele retorna
a estrada, contudo, a estrada de volta para casa em New York.
Depois
de 1 ano morando com sua mãe em New York e frequentando a Faculdade, Sal se
depara com o amigo Dean pronto para novas viagens. A partir daí desde as
experiências dos personagens, bem como o ritmo do livro se aceleram, como se o
autor quisesse nos transmitir todas as loucuras e errâncias apresentadas ao
longo da narrativa. As afinidades entre Sal Paradise e Dean Moriarty se
acentuam ainda mais. São vários episódios de festas, ouvindo o bop alucinado e
que ambos discutem sobre os artistas que tinham AQUILO, o Jazz se despontava e
o ritmo dessa geração ia ao encontro da geração Beat.
Um
dos pontos que causaram polêmica no Romance são as cenas de sexo, no qual uma
delas Marylou e Dean queriam que Sal dormisse com eles, uma cena a três, que
causou um grande impacto no contexto pelo qual a obra foi lançada. Além das
cenas homo afetivas, que talvez não foram compreendidas dentro da sociedade
preconceituosa e conservadora, principalmente, a norte americana em meados dos
anos 50. Outros pontos frenéticos é a
vida embaraçada de Dean, que se separa e se casa com várias mulheres ao longo
do enredo e que também foi pai de quatro filhos.
Outra
cena importante no livro são os momentos que os jovens passaram em Nova
Orleans:
O
ar era tão perfumado em Nova Orleans que parecia vir em echarpes macias; podia
se sentir o cheiro do rio e sentir mesmo o cheiro das pessoas, e da lama e do
melado, e todos os tipos de exalações tropicais com o nariz subitamente
retirado dos gelos do inverno setentrional. (178:2004).
Nesse
trecho e em muitas outras passagens, também é possível verificar as referências
de muitas obras como nesse caso a Marcel Proust. Em muitos momentos do livro o
autor recorre a recursos temporais, uma vez que a história foi escrita depois
do vivido e em poucas semanas. Nesse sentido, o narrador usa da memória e nos
conduz em muitos momentos a esperar os acontecimentos futuros, nos quais ele já
tem conhecimento. Kerouac é capaz de reproduzir, com propriedade, através da
memória o cheiro dos lugares.
É também em Nova Orleans que os
jovens passam dias na casa de Old Bull Lee e Jane Lee, foram momentos de muitas
conversas e uso de drogas, Sal chegou a conhecer a o acumulador de Orgones de
Bull, uma caixa no qual cabia um homem dentro, que poderia ficar sentado. Como
Paradise diz era como uma estufa mística. Depois da casa de Bull, viajaram por
muitos lugares e tiveram alguns desentendimentos: Dean resolveu abandonar Sal e
Marylou em San Francisco. Novamente Sal se viu desolado e a companhia da garota
não valeu muita coisa.
Certa
noite Marylou desapareceu com a dona de uma boate. Eu a aguardava, como
combinado, num umbral do outro lado da rua, na esquina da Larkin com a Geary,
faminto, quando ela saiu do vestíbulo de um apartamento elegante junto com sua
amiga, a dona da boate, e um velho seboso com um maço de notas. (215:2004)
Nesse
momento, o narrador nos conta que perambulou pela cidade, sem dinheiro, catando
lixo nas calçadas e com pensamentos budistas a respeito da estabilidade da Mente Essencial. Chegou a pensar que iria morrer.
Sua sorte é que o amigo Dean resolveu voltar a San Francisco para buscá-lo e o
encontrou passando fome em um hotel que Marylou o havia abandonado.
Muitos
acontecimentos se sucederam após esses episódios e Dean e Sal se encontraram
novamente após a primavera de 1949 e fizeram outras viagens, principalmente
porque a mulher de Dean resolvera colocá-lo para fora de casa. Então os dois
amigos voltaram para a balbúrdia, pensaram em até ir para a Itália, algo que
não se concretizou. Para Paradise Ali
estava um BEAT – a raiz, a alma da Beatitude. Assim, o que Dean
representava era a geração Beat e essa era a alma da geração de Kerouac.
Foram
dias de viagem pela América, com o bop despontando nos bares, os dois amigos
não conseguiam ficar parados, tinham a necessidade de viver, ainda que fosse
como loucos e resolveram ir para o leste sempre a procura ou vivendo o AQUILO.
(...)
e AQUILO era nossa alegria excitada e derradeira, a alegria que tínhamos de
falar e viver e que nos conduzia ao transe vazio que punha fim a todos os
inumeráveis pormenores angélicos e turbulentos que haviam estado à espreita em
nossas almas durante toda a nossa vida. (257:2004)
Os
capítulos finais do livro, narra desde a saída do Estado norte-americano de San
Antonio até a entrada ao México, o teor lírico no qual Kerouac descreve as
pessoas do outro país chega a encantar os leitores. O narrador descreve desde a
pobreza, a prostituição e a diferença dos lugares se comparados com o EUA até a
sinceridade das pessoas, a humildade dos policiais, das mulheres e das
crianças.
Essa
era a incrível, desinibida e definitivamente selvagem cidade dos meigos
lavradores indígenas que sabíamos que iriamos encontrar no fim da estrada. (365:2004)
Porém,
como o México era para eles um lugar muito diferente, no fim da parte 4 do
livro Paradise adoece, estava com Disenteria e fora largado por Dean em pleno
México. Ao melhorar retorna para New York e posteriormente conhece Laura, no
qual se casa. O fim de On the road e
o último encontro entre os dois amigos se dá de forma melancólica, pois
Paradise não pôde leva-lo a uma Opera que iria com Laura e o amigo Remi e assim
vê o amigo pela última vez dobrando uma esquina de New York.
O Filme
A adaptação do romance de Jack Kerouac
em seu longa realizado por Walter Salles, que fora lançado em 2012 foi de
grande impacto para o cinema mundial. A escolha da história, do elenco: que
contou com a presença de Sam Riley (Sal Paradise
/ Jack Kerouac), Garrett Hedlund (Dean
Moriarty/ Neal Cassady), Kristen Stewart (Marylou / Luanne Henderson), Alice
Braga (Terry / Bea), Kirsten Dunst
(Camille / Carolyn Cassady), Amy Adams, Tom Sturridge (Carlo Marx / Allen
Ginsberg), Viggo Mortensen (Old Bull Lee / William S. Burroughs) entre outros,
deu ao filme uma grande credibilidade. Nesse sentido, há de se concordar
que o diretor acertou em muitos momentos com a realização do filme.
Talvez, pelo grande desafio de
adaptar para o cinema uma narrativa intensa, com a presença de muitas imagens, muitos
personagens, com teor biográfico e digamos de origem norte-americana, Walter
Salles quanto à linguagem cinematográfica, não utilizou muito da ousadia que
poderia ter investido no filme. A narrativa do livro se constrói a partir do
olhar de Sal Paradise, ou seja, a narrativa é criada em primeira pessoa. Essa
construção não foi realizada por Walter Salles, uma vez que há cenas que o
personagem não está e a câmera continua a captar o enredo. Um exemplo disso é a
cena que na casa de Old Bull Lee, Marylou, Galatea e Jane Lee conversam
sozinhas ao limpar o chão, ora, nessa cena, Sal não estava presente, nesse
sentido, como poderíamos ver o que Paradise não vê?
Obviamente
que como o próprio Pasolini afirma a subjetiva livre indireta não ocorre no
cinema como na literatura, no qual o personagem pode contar sua história com
uma interiorização absoluta. Pasolini também afirma ser o recurso da subjetiva
livre indireta, mais ligada ao estilo do autor, para ele esse recurso se liga
menos a língua e mais aos recursos estilísticos do cineasta. Entendo que em Na Estrada, Walter Salles utilizou um
pouco de seu estilo talvez para dar ao filme um tom mais poético, porém, para
aqueles que leram o livro e perceberam a linguagem espontânea rítmica de
Kerouac sentiram, a partir do meio do filme, certa sensação de vazio. Além
disso, um dos recursos bem utilizado por Walter Salles é quando no início temos
a voz de Sal Paradise em off falando sobre seu pai e logo depois aparece o
personagem com um close nas pernas andando em uma estrada de terra.
Mesmo
o cinema sendo uma arte assim como a literatura, ambos tem suas limitações que
às vezes impedem a transposição de um para o outro, porque ambos, se comparados
entre si, possuem distinções linguísticas e limitações de representação. Walter
Salles, além de utilizar o livro publicado de Kerouac, também utilizou o
manuscrito do autor e finalizou o filme com Paradise escrevendo enlouquecido
suas experiências. Algumas modificações foram realizadas no roteiro do filme,
talvez para dar seguimento e não causar tanta fragmentação. Mas para aqueles
que assistiram ao filme se ter lido o livro, não puderam compreender bem o
cerne da história. Além do filme de Salles há também o livro The Americans de
Robert Frank, livro publicado no final dos anos 50 que muito se relaciona com
as descrições de Kerouac. Cheio de imagens das lanchonetes americanas, caubóis
e estradas.
Quanto ao livro, que marcou a
geração Beat, é impossível sair de sua leitura sem ter certo sentimento de
aventurança pelas estradas do mundo. As imagens transpostas pelo escritor,
assim como Goethe em seu romantismo descrevendo as paisagens, são imagens
afetuosas sobre o México e as inúmeras cidades americanas. O mundo para Kerouac
era esses lugares e essas pessoas.
(...)
e eu me arrastava na mesma direção como tenho feito toda minha vida, sempre
rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque, para mim, pessoas mesmo
são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para
serem salvos (...) (25:2004)
Assim como Whitman, Kerouac canta a América e
se apaixona pelos loucos, assim como o cinema brasileiro.
Referências Bibliográficas
KEROUAC, Jack. On
the road(Pé na Estrada). Tradução, introdução e posfácio
Eduardo Bueno. Porto Alegre: L&PM, 2004.
PASOLINI,
Pier Paolo. O cinema de poesia. In:
Ciclo Pasolini anos 60. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.
WHITMAN,
Walt. Folhas de Relva. Tradução
Luciano Alves Meira. São Paulo: Martin Claret, 2005.
Filmografia
Na
Estrada/On the road.
Direção:
Walter Salles. Brasil, 2012. Internet Download.
Pollyanna Nunes Ramalho 18/01/2013
Pollyanna Nunes Ramalho 18/01/2013
quarta-feira, 2 de janeiro de 2013
A eternidade
Achada, é verdade?
Quem? A Eternidade.
É o mar que se evade
Com o sol à tarde.
Alma sentinela
Murmura teu rogo
De noite tão nula
E um dia de fogo.
A humanos sufrágios,
E impulsos comuns
Que então te avantajes
E voes segundo...
Pois que apenas delas,
Brasas de cetim,
O Dever se exala
Sem dizer-se: enfim.
Nada de esperança,
E nenhum oriétur.
Ciência em paciência,
Só o suplício é certo.
Achada, é verdade?
Quem? A Eternidade.
É o mar que se evade
Com o sol à tarde.
Rimbaud
(Tradução: Ivo Barroso)
terça-feira, 1 de janeiro de 2013
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
"Eu" Augusto dos Anjos
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
"Eu" Augusto dos Anjos
Idealização da Humanidade Futura
Rugia nos meus centros cerebrais
A multidão dos séculos futuros
__ Homens que a herança de ímpetos impuros
Tornara etnicamente irracionais!
Não sei que livro, em letras garrafais
Meus olhos liam! No húmus dos monturos,
Realizavam-se os partos mais obscuros,
Dentre as genealogias animais!
Como quem esmigalha protozoários
Meti todos os dedos mercenários
Na consciência daquela multidão...
E, em vez de achar a luz que os Céus inflama,
Somente achei moléculas de lama
E a mosca alegre da putrefação!
Augusto dos Anjos
A multidão dos séculos futuros
__ Homens que a herança de ímpetos impuros
Tornara etnicamente irracionais!
Não sei que livro, em letras garrafais
Meus olhos liam! No húmus dos monturos,
Realizavam-se os partos mais obscuros,
Dentre as genealogias animais!
Como quem esmigalha protozoários
Meti todos os dedos mercenários
Na consciência daquela multidão...
E, em vez de achar a luz que os Céus inflama,
Somente achei moléculas de lama
E a mosca alegre da putrefação!
Augusto dos Anjos
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