Escritores da Liberdade (Freedom Writers, EUA 2007) é um daqueles filmes que bem representa a realidade contemporânea das escolas e das relações entre professores e alunos. A partir disso, pretendo relacionar o filme com algumas assertivas de Inês Assunção de Castro no artigo Da Condição Docente: Primeiras Aproximações Teóricas.
O filme conta a história de uma professora recém-formada, Erin Gruwell (Hilary Swank), que tem o interesse de lecionar Língua Inglesa, mas que não imaginava os desafios que estavam por vir. O enredo, inicialmente, apresenta desde questões burocráticas que fazem parte da vida dos professores, como exemplo a admissão e os primeiros contatos com a diretoria da escola até as relações com os alunos.
Também, é interessante observar as diferenças sociais entre os professores e alunos. Se Erin, formada em Direito, como outros docentes e membros da diretoria da escola, tiveram acesso a uma educação que lhes deram uma formação e uma profissão, os alunos, neste caso, encontram-se em uma situação totalmente contrária. Envolvidos em crimes como homicídios e tráfico de drogas, pertencentes às tribos e sem estrutura familiar, não tinham os mesmos acessos econômicos e intelectuais de seus professores. Nesse sentido, em muitos momentos do filme é possível enxergar os conflitos e as dificuldades que os alunos tinham de se relacionar com os professores.
O filme deixa bem evidente a diferenciação que professores e como maior exemplo aqui, a diretora Margaret Campbell, interpretada por Imelda Staunton, fazem de alunos que consideram “difíceis”. Quando Erin recorre à escola para conseguir livros que estão de acordo com a faixa etária de seus alunos é perceptível o tratamento preconceituoso por parte da diretora que não libera os livros dizendo que àqueles alunos não saberiam manuseá-los. Dessa forma, as relações de alteridade (dentro e fora da escola sejam entre professores ou professor e aluno) são marcadas por efervescentes conflitos que impedem o desenvolvimento pedagógico, bem como o convívio político nas instituições educacionais.
Outro momento do filme muito interessante é quando a protagonista Erin percebe que está acontecendo um tipo de “brincadeira de mau gosto”, ou melhor, preconceituosa dentro de sala de aula. A partir daí, a personagem trava uma conversa com os alunos acerca do que foi, digamos, a maior “gangue” do mundo. Para interagir com os alunos, ela os esclarece, utilizando termos que fazem parte do universo dos alunos, o que foi o holocausto. Esse diálogo com o sistema totalitário alemão no filme, faz muito sentido com questões vivenciadas atualmente. Um exemplo disso são as divisões étnicas, culturais, econômicas que mesmo após a queda do muro de Berlim e o registro histórico que ressalta o valor absurdo, ainda ocorrem dentro e fora das escolas.
Hoje, sejam nos EUA ou em vários países ocidentais, muitos problemas enfrentados partem da falta de reconhecimento, por parte de governantes e de membros de escolas, de que lidar com alunos/pessoas, independe de qual condição econômica ou étnica que esse se insere. Ressalvo aqui, que independe no sentido de tratamento, por exemplo, a cor de pele, ou a classe social de um aluno não pode ser critério de avaliação e diferenciação. Os mesmos direitos de uns são os direitos de outros. No entanto, países como o Brasil que têm um baixo índice de desenvolvimento de alunos que possuem cor negra ou parda, necessitam com urgência criar medidas que iguale a posição de negros dentro de uma sociedade que mais do que nunca exige um sujeito pensante.
Tanto Freedom Writers quanto outros filmes como Dead Poets Society (A sociedade dos poetas mortos), a versão americana The Wave (1981) e alemã Die Welle (2007-2008) baseadas na história The Third Wave/A Terceira Onda do professor Ron Jones e também To Sir, with love (Ao meu mestre, com carinho-1967), mostram algumas questões de autoritarismo dentro das escolas que em muito se parecem com o pensamento nazista alemão. Mas, além disso, esses filmes revelam a carência das instituições de ensino e das sociedades de dar vozes aos sujeitos que nelas convivem (no
sentido de Bakhtin) e de perceberem que elas são espaços policêntricos nos quais estão engendradas as relações humanas.
Passando a outro dos atributos que singularizam a relação docente/discente frente às demais relações sociais, tem-se a dimensão do cuidar. Do cuidado de si e do outro. Do zelo com os processos educativos, com os percursos e dinâmicas da formação humana, com as dinâmicas, conteúdos e formas de construção do conhecimento e inserção na cultura, traçados em que a dimensão política se reitera na docência. O cuidado de si e do outro é político. O pessoal é político, como já foi dito.
Nesse sentido, a de se concordar com a autora que condição docente é da ordem do político, não a conotação puramente vinda da polis grega (já que os escravos sustentavam o sistema político), mas sim a conotação que atualmente deveria ser implantada, a de verdadeiro comprometimento coletivo com preocupações que perpassam a tranquilidade, a melhoria, a condição humana (no sentido de Hannah Arendt) de si e do outro. Assim a de se concordar também com a epígrafe do artigo em que Texeira ressalta as falas de Clarice, de que nem tudo o que se faz, como melhor exemplo aqui o professor, resulta numa realização. Talvez o maior papel do professor e de membros das escolas não seja a total realização, ou sucesso pessoal em sala de aula, imediatos, mas sim o simples toque de sensibilidade, o respeito que seja suficiente para dar conta das necessidades urgentes e básicas do ser humano.
*Pollyanna Nunes Ramalho
TEXEIRA, Inês Assunção de Castro. Da Condição Docente: Primeiras Aproximações. Educ. Soc., Campinas, vol. 28 n.99, p. 426-443, maio/ago., 2007 Disponível em . Escritores da Liberdade (Freedom Writers, EUA, 2007).
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