sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Momentos da Obra de Murilo Mendes: O Visionário e Os Quatro Elementos


O livro O Visionário, de Murilo Mendes nos traz evidencias do olhar profético de sua poesia acerca dos tempos da vida e do fim dos tempos. A obra foi escrita entre 1930 e 1933, período de grandes conflitos no Brasil e no mundo.
Para a poesia de Murilo Mendes o homem é a vida, o espírito, e também está entre Deus e o diabo. Sua poética laça mão da figura feminina para tematizar as transformações humanas impostas pelo tempo. O nascimento e a jovialidade estão em concomitância com a velhice e a experiência humana.
No poema abaixo Formas Alternadas é possível observar o jogo que se dá através da alternância das imagens, ora da menina, ora da mãe que se transformam com o desenrolar do tempo.
                                  
FORMAS ALTERNADAS

Vi a menina crescendo
Na sombra de sua mãe.
Vi a mãe dela sumindo,
O corpo da outra aumentando,
Vi a posição dos corpos
Mudando sempre no espaço,
O tempo desenrolando
Olhares e movimentos,
Vontades, curvas e cheiros,
Ora da filha bonita,
Ora da mãe consumida,
Com tantas afinidades
Vindas, sem se perceber,
De formas bem semelhantes:
Não sei onde a mãe acaba
Nem onde a filha começa.


É possível observar, que algumas rimas presentes no poema com os verbos no gerúndio nos dão a idéia de estados inacabados, o que também, é um tema proposto por essa poesia que é voltada para a metamorfose humana. E apesar da sensação de distinção causada pela alternância entre a mãe e a filha, o desenlace do poema nos mostra a não distinção das formas entre os dois corpos.
Murilo Marcondes de Moura em “A poesia como totalidade” cita algo sobre a metáfora dissolvente em que Kayser diz:                       

Todo o existente está ligado misteriosamente, de forma a não existirem fronteiras firmes entre as coisas, e tudo segue um curso permanente, em transformação constante.  
É possível perceber, que Moura enfatiza a intenção da poética muriliana em utilizar, como o próprio Murilo Mendes afirma, a metáfora com toda sua carga de força, deixando de lado as passagens intermediárias. Assim, a metáfora presente no fim de Formas Alternadas tematiza as inquietudes e as transformações da vida.
Outro poema que predica aspectos importantes da poesia de O Visionário é Tédio na Varanda. Em que o sujeito do poema hesita entre as ancas da morena e entre uma reflexão sobre a extinção do homem. O que nos leva a perceber o jogo de sentimentos opostos que se realizam ao mesmo tempo.


TÉDIO NA VARANDA

Hesito entre as ancas da morena
Deslocando a rua,
E o mistério do fim do homem, por exemplo.
Dormir!

As camélias lambem
O sexo de teus lábios.
Os pássaros da vertigem
Bicam estátuas de pano.
O mar fala a língua de p
Enquanto eu não tenho
Pés de vento,
Mãos de metal.

As botas de sete pedras
Comem léguas de aborrecimento.


O sujeito que se sente entediando diante dessas duas configurações tem o desejo de dormir. E esse dormir, com efeito, está associado no desempenho desinteressado do pensamento, e também se associa com o desejo de se colocar no mundo onipotente do sonho.
Na Revista O Eixo e a Roda, Murilo Mancondes de Moura associa de maneira coerente, o conflito do sujeito de Tédio na Varanda com a formulação baudelairiana de que:
Há em todo homem, a todo instante, duas postulações simultâneas: uma para Deus, outra para o diabo. A invocação a Deus, ou espiritualidade, é um desejo de ascender; aquela de Satã, ou animalidade, é uma alegria de descer. É a esta última que devem ser relacionados os amores pelas mulheres

As duas situações díspares da primeira estrofe, que é a tensão do poema geram o tédio e o desejo de dormir, afinal, é o mundo do sonho que é capaz de oferecer um apaziguamento desse espírito.
O encadeamento das figuras camélias, pássaros e a ação de bicar, nos trazem uma imagem de um jardim e também a figura mítica de Prometeu. O jardim é como um cenário, ou melhor, um quadro que emoldura essas tensões. E a figura mitológica de Prometeu, a meu ver, se relaciona com a inatividade do homem. Prometeu que ao receber o castigo de Zeuz, em que seu fígado se regenera para ser bicado todos os dias, se encontra como um espantalho sem possibilidades de ação, do mesmo modo que o homem de Tédio na Varanda, que está como uma máquina desligada.
O livro os Quatro Elementos, escrito em 1935, porém publicado em 1945, enfatiza o tom de elevação do poeta Murilo Mendes. O título da obra é uma boa partida para a percepção da articulação dos elementos água, fogo, terra e ar. Mas, é necessário observar que olhar do poeta, não só converge para todos esses elementos, como também, para aqueles temas tratados em o Visionário.
Em Os Quatro Elementos permanece as configurações surrealistas típicas de Murilo Mendes. O autor articula em um mesmo plano, elementos e imagens aparentemente arbitrárias, mas que criam sentidos coerentes. Como por exemplo, no poema abaixo:
            A NOITE DE SETEMBRO

O céu revestiu uma couraça branca
Estrelas dançarinas de quinze anos
A lua orienta o navio
A pena do poeta
O coração e a cor das amadas
A lua é virgem
Lua abstrata
Ela participa do grande segredo

Aparece no céu inesperada mulher
Talvez a musa
Em outra idade em outra posição em outra dimensão.
Amemos.

Carlos Eduardo Ortolan Miranda, em sua Dissertação faz o seguinte comentário:
Se o substantivo “couraça” poderia induzir, num primeiro momento, a um ligeiro (ou grave) desagrado, ainda mais quando aliado à inesperada “brancura” (lembre-se aqui as infindáveis discussões da crítica acerca do branco como imagem do Mal Absoluto em Moby Dick, clássico romance de Melville), o poeta trata de, em nova guinada vertiginosa, introduzir uma imagem de alegria absoluta, na forma de “estrelas dançarinas de quinze anos” 
O que Miranda percebe aqui é o que Murilo Mendes faz em sua poesia, um jogo de imagens díspares que criam um único sentido. As figuras desse poema como, as estrelas, o céu, a pena do poeta e a lua se encadeiam de maneira que caracterizam os sentimentos de alegria, inspiração, elevação e até mesmo a inacessibilidade da mulher.
Outro aspecto interessante a ser observado nesse poema são as construções sintáticas soltas, que eliminam as passagens descritivas, característica também louvada pelo movimento Surrealista.
            Portanto, espero que algumas considerações aqui realizadas tenham esboçado, de alguma maneira, características presentes em O Visionário e em Os quatro Elementos, já que, o poeta aqui tratado possui uma obra grande e de uma complexidade atrativa, que não só envolve sua poesia, mas também sua vida.
 Pollyanna Nunes Ramalho


MURILO, Mendes. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

MOURA, Murilo Marcondes de. Murilo Mendes: A Poesia como Totalidade. São Paulo: Edusp, 1995.

MIRANDA, Carlos Eduardo Ortalan. Os Quatro Elementos: O Lirismo Dialético de Murilo Mendes. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo: São Paulo, 2009.

BRETON, André. Manifesto Surrealista: 1924. Transcrito por Alexandre Linares. Arquivo digital: The Marxists Internet Archive.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

tensão,ovo novelo e plano-piloto para a poesia concreta


O plano-piloto para a poesia concreta publicado em 1958, em noigandres, se realizou na tentativa de esclarecer as intenções dessa nova abordagem poética, que não se interessava pela estrutura linear e discursiva do verso.
A proposta dos irmãos Campos e de Décio Pignatari sobre a poesia concreta não era, a meu ver, de uma ruptura com o passado, mas sim de uma evolução das formas poéticas antes utilizadas. Essa teoria se coloca como linha de frente para a poética voltada para além dos recursos verbais.
 Os recursos espaciais, como também os sonoros ganham grande importância na construção do sentido. Muitos são os poemas publicados por Augusto de Campos que se relacionam com as ideias presentes no plano-piloto. No entanto, neste trabalho será tratado apenas dois poemas, como “Tensão” e “Ovo novelo”.
No poema “Tensão”, é possível perceber a comunicação entre a linguagem verbal, visual e também sonora.


com                                        can
som                                        tem



com                                        ten                                         tam
tem                                        são                                         bem



                                               tom                                        sem
                                               bem                                       som

Como é proposto no plano-piloto o poema valoriza o espaço e suas formas geométricas, em que seu eixo fixo se dá em ten/são, que se realiza nos três planos. No plano verbal a tensão se coloca com a quebra da discursividade, já no plano sonoro, se instala pelos trocadilhos em que, as palavras possuem as mesmas características sonoras e a tensão do plano visual se dá, pelas múltiplas formas de ser ler o poema. A partir de uma perspectiva semântica que se liga a forma há também, a tensão entre as duas extremidades com som x sem som. O que se realiza é uma simultaneidade da comunicação verbal e não verbal.
 Já o poema ovo novelo se relaciona com o aspecto do isomorfismo tratado pelo plano piloto para a poesia concreta, em que a forma do poema imita a forma oval.  O diversos efeitos sonoros e visuais servem de estrutura para a temática do nascimento e do ser humano como mero número zero no mundo. 
Pollyanna Nunes Ramalho




CAMPOS, Auguto de. Ovo Novelo. In: Viva Vaia. São Paulo, Ateliê Editorial, 2001. 

CAMPOS, Augusto; CAMPOS, Haroldo; PIGNATARI, Décio. Teoria da 
poesia concreta. São Paulo, edição dos autores, 1958.

Aspectos da poesia de Maria Ângela Alvim


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Embora a obra poética de Maria Ângela Alvim não se caracterize pela vastidão, nem apresente uma poesia no estado maduro se comparada a outros poetas como Carlos Drummond de Andrade. Sua poesia apresenta, a meu ver, uma sensibilidade atrativa pelo modo de reter apenas o essencial.
Os livros Superfície e Barca do tempo exemplificam a singularidade dessa poesia, que formalmente se caracteriza pela presença de poemas curtos e que também adere à forma fixa do soneto. Os temas subjacentes aos símbolos e às figuras como a morte, a poesia e a impermanencia da vida e da memória se articulam com as imagens límpidas e sensoriais filtradas pela poetisa.
O título do único livro publicado em vida de Maria Ângela Alvim remete ao estado fugitivo em que o sujeito se coloca no mundo. Nem completamente na vida e nem completamente na morte.
Meus olhos são telas d’água,
Não ferem a perfeição.
Sendo a morte para esse, mais atrativa do que a própria vida. O olhar do sujeito é o olhar de quem está na superfície a contemplar a perfeição, mas que não a adentra.
É possível relacionar as formas poéticas, principalmente, de Superfície com as formas do Hai-kai, no entanto, como o próprio Carlos Drummond de Andrade afirma, a semelhança se dá mais pela forma esquiva e sugestionadora do velho poema japonês do que pelo número de sílabas do poema.
É interessante observar que em Superfície não há a presença de rimas como em Barca do Tempo. Os poemas desse primeiro livro quanto à linguagem se caracteriza pelo teor suave e límpido.
A suave manhã comoveu as pedras,
brilham os caminhos dos homens.
Ninguém se perdeu.
Também, nessa poética é possível resgatar algumas semelhanças com a tradição simbolista, que através das imagens e do uso não referencial de representação trata de reflexões sobre o estado da alma, ou melhor, do mundo interior.
No poema “A árvore não brotou no jardim”, podemos conferir a eliminação de passagens tanto no plano formal, quanto no plano temático do poema.
A árvore não brotou no jardim.
Desconheço a doçura do seio das flores.
Sou o fruto das raízes.
O sujeito assim como a árvore e como a poética de Maria Ângela Alvim, se coloca pronto diante do mundo. Em que, o fruto não vem das flores, mas diretamente das raízes.
A diferenciação entre Barca do Tempo e Superfície se dá pela presença do soneto. No entanto, essa diferença não se instala apenas no plano formal, mas também pela maior recorrência do tema da brevidade ou do  caráter fugitivo da vida e da memória.
[...]
Para um tempo de olhar a cor é breve
E já no repensar foge ao momento.
Quis ser na flor, no adeus, no rio lento,
mas se não há memória, não se atreve.
                                                      [...]
Em Barca do tempo também é recorrente o uso de travessão, recurso que na obra pode ser comparado com o efeito reflexivo dos parênteses e, também à marcação de uma interlocução entre o Eu e o Tu, em que o Eu utiliza os verbos no imperativo, causando um efeito de ordem, ou sugestão. 

                                                      [...]
                                                           —Não afeita à visão, tua retina!
Vence a bruma que te vem do olhar,
                                                 [...]
Mesmo com uso da forma fixa e a presença, de rimas intercaladas, é possível observar o mesmo teor reflexivo do poema “Cor”, de Barca do Tempo, com o livro Superfície. A memória se coloca como breve, fugitiva, assim como a flor que serve como figura para a vida.
Alguns poemas nos dois livros não possuem títulos próprios. O que nos leva a pensar na existência deles, não somente em si mesmos, mas presos uns aos outros. Maria Ângela Alvim utiliza em sua obra recursos formais que se unem a sua característica fugitiva e exata.  E é esse estado de não profundo a esse absoluto (a morte, ou a perfeição) que concretiza a sua poesia.
                                                                      Pollyanna Nunes Ramalho

ALVIM, Maria Ângela. Poemas. 3. ed. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 1993.