Maria Angela Alvim
V
Moro em mim? No meu destino largado -
partido em mil?
Moro aqui? Demoraria
Sempre aqui, sem me saber - fugindo sempre
estaria?
Eis um lugar. Degredo
( de quê?). Dimensão se perseguindo
num sonho? - Sim, que me acordo.
Tudo existe circunstante
e ninguém para me crer.
Sou eu o sonho, momento da ausência alheia ( que devasso quase fria)]
Morte, vida recente,
Subindo em mim a resina,
ungüento de noite, amor.
As sombras e seus véus,
Tantos véus - o mais sucinto
Preso a meu corpo ( aparente?)
Me divide em dois recintos.
Um deles sendo equilíbrio
Noutro posso me conter.
Avanço no sono aberto
Até a altura do dia,
Fria, fria,
Mais fria minha pele
Filtra a aurora - neste tempo
Aquela hora, seu pulso de instante e ocaso.
Eis que me encontro. Limite
de transparência e contato
Entre a luz e meu retrato, casta
Parede a louca?
Marulho d'água, caindo
dentro de mim, claridade.
Graças de mãos mais presentes
Que minhas mãos, já vazias
De sua forma, na palma.
Que gesto extenso as reteve
Sempre além, configuradas
E este azul, quase em branco
se desfazendo ( na carne?).
Ah! Três retinas cortadas
De um prisma, se amanhecidas
Nestes vidros, na vigília.
Ah! Três retinas pousadas
Em ver, em ver contemplando
(Ser, será o esquecimento
De quanto somos - pensando?).
VI
Quero crer-me esse sentido
De longa memória branca.
Sobre ele não lembrar,
- ficar, ficar,
No encontro de tudo em pouco:
O tempo se refez num instante
Deste espaço superfície,
Chão que nem me sustenta
(Dura sou, eu, e dura amargura é a minha).
Não, não me lembrarei,
Seria pensar começos
E outros fins - ó lunares
Lembranças, doridos passos
( Muitos fui acompanhando
De longe e mais me pisaram
Aqui, ali, onde sei).
Estou? Se estou me consentem
Os gestos e os movimentos?
Nenhum ruído se atenta
Que dentro não fosse ouvido.
E tudo em mim se repete
Enquanto durante e sempre
A lembrança vai baixando
A seu leito mais dormente.
Os pensamentos seriam
Roteiros menos sofridos?
Deixá-los que se solveram
Nestes noturnos se procurando,
Da idéia, refluindo
Sobre dúvida, distância
E certeza, aéreo marco
De um repouso em si medido.
Deixá-los. Deixar-me enquanto
Existe um consenso oculto.
Pensarei que desvivi
Num limite-lucidez
Lá e, no entanto, aqui.
Maria Angela Alvim, livro "Poemas"
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