quarta-feira, 26 de abril de 2023

o que é Literatura

Por muito tempo da antiguidade, passando pelo renascimento ao período romântico, com a leitura e a releitura de Platão e Aristóteles a arte poética fora entendida enquanto mimesis. Noção que foi se modificando como mostra a história literária. M. H. Abrams, por exemplo, explica que a teoria pragmática (ênfase no efeito produzido por uma obra de arte poética) e com a teoria expressiva (ênfase na subjetividade do poeta), começou-se a dar ênfase na percepção do mesmo. Já a teoria objetiva focalizava a arte poética enquanto “arte pela arte”, a saber, o texto em si mesmo. No contexto, pós críticas kantianas e junto a ascensão da burguesia no século XVIII e, por conseguinte, a do Romance, a Literatura passou a ser compreendida como área de estudos própria mais do que pela via filológica, mais do que produção de textos escritos e impressos, a arte poética mais do que mera emulação do mundo. Além de pensar no sentido de Literatura como letra, nota-se a história literária que se começou a institucionalizar um campo de estudos próprio.

Do Biografismo, ao formalismo russo, ao new criticism (close reading), ao estruturalismo, ao pós-estruturalismo, à estética da recepção passou-se a ênfase do autor, ao texto, ao leitor. A partir da história literária, no que concerne a definição de um texto literário ou sua diferença em relação a outros campos de conhecimento, sua definição pode ser compreendida por meio da “função poética” (Jakobson), sua literariedade”, o nível de ficcionalização, imaginação, seu valor conotativo (Wellek) e as figuras de linguagem que se apresentam. Neste sentido, um texto literário pode ser lido nestes três níveis, a considerar o autor, o leitor e talvez o mais importante o texto, o que significa se questionar quem escreveu um texto e em qual contexto, qual a recepção de uma obra literária, qual o horizonte de expectativa “deste leitor” e qual a estrutura, o que um dado texto tem de literário, sua ficcionalidade enquanto um construto de linguagem.De acordo com Antoine Compagnon não são todos os textos que podem ser considerados Literatura, pois como afirma: 

“Tudo o que se pode dizer de um texto literário não pertence, pois, ao estudo literário. O contexto pertinente para o estudo literário de um texto literário não é o contexto de origem desse texto, mas a sociedade que faz dele um uso literário.” (p. 45). Compagnon, comenta que ainda que boa parte dos estudos teóricos Literários com o ponto de vista do estruturalismo e new criticism tenha se fixado ao texto e rejeitado a relação entre Literatura e Mundo, o autor mostra como a Literatura também
possui referencialidade. Na sua leitura, “o crítico está diante do livro como o escritor está diante do mundo, mas o escritor nunca está diante do mundo; há sempre o livro entre ele e o mundo.” (p. 137) No nexo entre Literatura e mundo, Compagnon comenta “Na realidade, o conteúdo, o fundo, o real nunca foram totalmente alijados da teoria literária.” (p. 138). Já o nexo entre autor e a Literatura ele comenta:

Quando alguém escreve um texto, tem certamente a intenção de
exprimir alguma coisa, quer dizer alguma coisa através das palavras
que escreve. Mas a relação entre uma sequência de palavras
escritas e aquilo que o autor queria dizer através dessa sequência
de palavras nada assegura em relação ao sentido de uma obra e
àquilo que o autor queria exprimir através dela. (p.80)

Ezra Pound nota que Literatura é “[...] Linguagem carregada de significado” (p.32) e acrescenta “Literatura é novidade que permanece novidade” (p. 33). Nessa direção, a literatura ainda que se refere ao mundo é construto de linguagem em que se seleciona se combina signos linguísticos. Numa leitura diferente, Bernard Mouralis comenta que a literatura é uma instituição, um corpus e um sistema em que se constrói um todo significante. Não é uma ideologia em si é um dado signo de sistema e referências, uma herança de legitimação literária. Compagnon também mostra que por muito tempo a literatura era ensinada como história literária e que em meados do século XVIII tornou-se aos poucos se instituiu uma disciplina de Estudos Literários nas universidades.

sábado, 22 de abril de 2023

A senhora que ali estava/ conto

Pela manhã, Ina resolveu conhecer um novo lugar, estava cansada. Não os pais, não o marido, não as pessoas compreendiam. Então por uma semana passou em uma nova cidade e, todos os dias de manhã caminhava por algumas ruas, achava aquele lugar de aparência agradável. Já que estava passando muito mal mesmo, e as pessoas não poderiam imaginar – resolveu caminhar. Viu uma senhora sentada num banco e pensou em conversar com ela para ver se o tempo passava e aqueles sentimentos de tristeza e insatisfação passassem junto. A senhora prontamente lhe deu bom dia e disse que esperava por coincidência que alguém sentasse ali e falasse com ela também. Perguntou seu nome e ambas disseram uma à outra seus respectivos nomes.


O sol pela manhã como de costume naquele lugar estava ameno. Ina percebeu no modo de ser daquela senhora certa avidez para lhe contar algo sobre ela mesma. Achou que deveria perguntar o que ela queria dizer. A senhora lhe disse:

___ A vida é muito difícil, possui nuances de possibilidades e de momentos agradáveis, muito embora a maior parte são momentos complicados.

Então, Ina que não era muito jovem, olhou para aquela senhora e viu seus olhos profundos, esperou com certa obliquidade que ela lhe falasse alguma coisa que fizesse esquecer tantos problemas da própria vida. Aquela senhora lhe perguntou:

__Você espera que eu conte algo de bom e emocionante sobre minha vida? Veja só, olhe bem para mim, você mal me conhece e pelo visto acredita que somente você tem problemas que insiste em esquecer. Não fui uma mulher conhecida, não tive grandes ambições, mas passei por alguns bocados.

A pupila dos olhos de Ina se abriram naquele momento, ali mesmo percebeu que havia algo de importante nas palavras daquela senhora.

_Pois bem, disse a senhora, vou começar a falar algumas coisas, você não me conhece e talvez tudo o que posso te contar sirva somente para que você faça uma reflexão, depois que você acordar pela manhã e depois que você tomar o seu café e depois que estiver bem entediada e você resolver caminhar, bem depois que você sentar aqui e falar comigo. Não tenho dúvidas de que você ficará cansada depois de um certo tempo de conversa, quando a narrativa estiver exaustiva e você dará um desculpa esfarrapada para ir a sua casa e você perceberá que a sua vida não é tão inútil quanto

parece, então você voltará para ter essa conversa de modo que você entenderá que seu modo de comunicar com as pessoas não é tão mal assim, assim você vai a qualquer momento parar de vir até aqui ouvir as peripécias de uma vida cansativa...

__Pode ser, disse Ina, pode ser que isso aconteça, pode ser que não, a senhora não sabe nada sobre mim também. Com toda certeza, algo me diz que a senhora tem algo para contar, e fiquei curiosa.

___ Tem certeza que está decidida em saber algo sobre mim. A minha vida é sem graça, e a memória do ser humano lembra e esquece, é fiel e trai para adquirir coisas novas. E ainda tem aquilo que dizem ser involuntária. Ah, você sabe! Aquilo do bolo, do cheiro que faz lembrar.

___ Nossa, mudando de assunto, deixaram uma poça de água ao lado deste banco, como gostaria de xingar o biltre que fez isso, disse Ina. Poxa, é preciso compreender que pessoas sentam aqui, não podem deixar o lugar nesse estado.

A tarde eclipsou a manhã e quando ambas perceberam aquele dia já havia acabado. A frustração de Ina foi muito grande, uma vez que ela não conseguiu entender nada sobre aquela senhora e ela sabia que teria que voltar no outro dia para saber mais sobre. Começou a ter certa curiosidade sobre quem era, onde morava, porque ela parecia tão sábia e de algum modo trazia uma sagacidade no olhar. Quem era aquela senhora? Com quem ela vivia? O que poderia representar? Talvez nada, talvez a vida, talvez a morte.

No outro dia, pela manhã parecia o mesmo dia, Ina não estava bem, não queria falar sobre isso, estava cansada de falar, falar sozinha. Precisava ouvir algumas coisas que não fosse a própria voz. Sabia que naquele momento estava um tanto só no mundo. E que não aguentava mais o joguete com cores, com roupas, com a vida e a saúde dela. E a vida na atualidade tinha de tudo isso nas redes e queria não ser achada, mas inevitavelmente tinha sido achada, e isso poderia ser um motivo de perda. E estava vivendo as querelas do mundo. Com tantas coisas não resolvidas, como se fosse um algo sem fim. Se desconectou por um tempo e após a caminhada que pelo visto se tornaria algo cotidiano, sentou-se novamente no banco. A senhora não estava lá, então esperou e esperou.... E refletiu como a espera é algo horrível. Será o tempo de dentro o mesmo de fora? Pensou.

E ainda olhou para o céu, refletiu sobre a espera do que se sabe que não vem, então por que se olha tanto o céu? Se nada acontece. Lembrou de algumas aulas iniciais que teve com Herr Wald quando aprendeu os dias da semana Montag, Dienstag, Mittwoch, Donnerstag, e lembrou ainda que a sexta-feira/Freitag sempre era o pior dia da semana. Esperava ter a própria vida de volta. E as palavras, as frases e o todo – essas leituras descontínuas da vida: um documento, uma música, uma placa, um outdoor, uma imagem, um sinal, um livro, um ponto, uma letra, nada disso, nenhum texto poderia urdir a vida e fazer com que ela se sentisse bem naquele momento. Talvez apenas as pessoas. Passou dez, vinte minutos e a senhora chegou. Franzina e se sentou ao lado de Ina. Com o mesmo olhar profundo do dia anterior. Ela observou Ina e parecia querer perguntar se estava tudo bem, não perguntou sobre, talvez para não criar um mal-estar. Começou a tagarelar umas frases. Depois a senhora contou a Ina sobre a sua infância, disse que a mãe sempre dizia que era preciso estudar, que não a havia colocado no mundo para outra coisa que não fosse ter uma boa educação. Com Ina parecia ser um pouco diferente...não quis comentar. Aquela senhora passou horas falando sobre os namorados que teve na vida, que foram poucos, mas o suficiente para entender que alguns homens são importantes e necessários enquanto outros é bom manter uma distância. Ela contou que alguns inspiravam confiança, respeito com as mulheres e que outros são medrosos e não respeitavam muito. A senhora disse que apesar de tudo, teve bons namorados. E que nem sempre concordava com as ideias do marido que eram bem diferentes. Dizia que alguns homens com seus vinte e cinco aparentavam nada demais, quando chegavam aos seus cinquenta eram como o vinho melhores ficavam. Outros, eram o contrário, aos trinta já conseguiam arrasar corações. E isso acontecia também com as mulheres. Ina lembrou que ouviu uma vez dizer para se “aproveitar o dia” antes que não pudesse mais, e ficou chateada com esta frase tão conhecida, pois sabia que o tempo para ela passava também - talvez rápido demais e que nunca soube vivenciar o seu “dia”. Aquela senhora falou sobre tantos assuntos naquela manhã que o tempo passou tão rápido quanto um sopro. Depois Ina foi para casa tão leve como se fosse o próprio vento. Ela se sentia o vento, passando por em torno de todas as casas que ali estavam. Ela era o próprio vento, como se pudesse entrar na respiração das pessoas, era um sopro. Foi assim que se sentiu.

No fim da tarde, Ina foi para casa e à noite foi dormir. Tinha muitas dores. Porém, não queria pensar nisso. Estava simplesmente matutando sobre as palavras daquela senhora. Dormiu com essa ideia...

No terceiro dia, ao acordar, fez o mesmo dos outros dois dias: caminhou e logo de longe avistou a senhora sentada naquele banco. Achou, mínimo bom, não ter que esperar sozinha por ela para continuar aquela conversa dos dois últimos dias. Desta vez, foi Ina que puxou o assunto. Perguntou àquela senhora, de onde ela era. Foi então que ela disse:

__Pode ser que chegue algum dia que eu lhe direi, talvez você não deva saber, pois venho de um lugar distante. Em algum momento saberá! A senhora começou a comentar sobre o que gostava de comer pela manhã. Disse que comia algumas baguetes, alguns pães doces. E que gostava muito de um café. Gostava muito de uma broa, principalmente as que tinham leves pedaços de queijo no recheio. Ina teve que concordar com ela que realmente aqueles alimentos eram bem saborosos. E de fato quem é que não gosta de um bolo ou de uma broa. Pensou também, naquele instante, sobre alguns amigos e amigas que ela tem todo apreço e afeição. Foi assim que veio na memória o passado e o presente. Ao retomar seus assuntos, a senhora falou sobre as rodas de amigos e amigas que tinha. Disse que durante uma semana passou uma tarde falando, com um amigo, sob o pé de uma montanha, das diferenças do cantar dos pássaros ao cume de uma montanha. Ina ficou incomodada, pois apesar de dizer tantas coisas, aquela senhora não explicava muito bem nada sobre si. Acenou-lhe e foi para casa – naquele dia mais cedo.

Ina refletiu sobre o quanto estava cansada, uma vez que aqueles diálogos pareciam não chegar a lugar algum, e estava preocupada. Queria sua vida de volta, rever seus familiares. Tantas pessoas que conhecera também no tempo de estudo. Ficou uma dúvida, voltar para sua cidade ou entender por alguns dias aquela senhora. Em casa, abriu um livro havia, um poema de uma escritora...

Adormeceu com essa ideia e ao acordar pela manhã, não tinha ânimo para caminhar. Apesar disso, não quis imaginar àquela senhora, naquele banco a sua espera. Quis ir em direção ao local que se sentavam para conversar. Olhou para os lados e ao atravessar a rua, a senhora lhe acenou. Ina sentou-se ao seu lado e novamente falaram por toda a tarde…

No outro dia, Ina que não se sentia bem para ir conversar como fazia matutinalmente, achou que seria melhor ficar em casa e pensar se voltaria a sua cidade. Então Ina só foi no outro dia caminhar e procurar aquela senhora para se despedir e dizer a ela que estava indo procurar seus familiares.

Foi aí que aconteceu algo estranho, aquela senhora não estava lá, havia um senhor varrendo a calçada. Ina perguntou sobre, se havia visto uma senhora franzina, de aparência agradável ali sentada. O senhor disse que havia uma história sobre uma senhora que falava com as pessoas naquele banco, mas que ela já havia morrido. Muitos moradores diziam que ela aparecia e depois de alguns dias não retornava mais. Ina que ficou estarrecida sem compreender nada resolveu ir embora daquela cidade e voltar para sua vida. Na sua casa, ao abrir a janela Ina se deparou com um vento e uma voz parecia dizer:

Sou o vento, ventaneio por todas os lares

sou o vento que vago voando vacilante vociferante

vento que inspira respira expira

ventaneio, sou movimento volante volátil

sou um vento basculante

sou um sopro restante

sou um vento que se esvai e vai...

Um arrepio passou pelos braços de Ina e ela se lembrou das conversas que teve com aquela senhora e como na sua compreensão ela parecia mais viva em seus diálogos do que os próprios vivos.