quarta-feira, 20 de junho de 2012

Resenha do capítulo: “Penser/Classer” de Geoges Perec

Neste trabalho, apresento, uma resenha sobre o capítulo XIII do livro “Pensar/Clasificar” (título traduzido do original em Francês “Penser/Classer”), de Georges Perec. Capítulo no qual, o autor, ao mesmo tempo em que se detém sobre reflexões acerca do (in) classificável, ou seja, da ideia de uma ordem ou desordem, do que se é possível ou não nomear, dizer, listar e numerar. Lança mão de categorias, como o alfabeto, para mostrar sua arbitrariedade.

Passando à estruturação do artigo, o autor divide cada subtítulo com as letras do alfabeto francês. E o inicia com a letra D, fugindo assim da ordenação comum do alfabeto. Desse modo, o autor nos deixa claro que Pensar é ir além de simplesmente categorizar ou classificar.

Em Sumario, primeiro subtítulo do texto, e que normalmente temos uma introdução do tema tratado, Perec engloba os 26 subtítulos:



Sumario - Métodos - Preguntas - Ejercicios de vocabulário - El mundo como rompecabezas - Utopías - Veinte mil leguas – de viaje submarino – Razón y pensamento – los esquimales – La Exposición Universal – El alfabeto – Las clasificaciones – las jerarquías -  Cómo classifico – Borges y los chinos – Sei Shônagon – Las inefables alegrias de la enumeración – El livro dos récords – Bajeza e inferioridade – El dicionário – Jean Tardieu – Cómo pienso – Aforismos – “Em uma red de líneas entrecruzadas” – Vários - ?(1986: 108)

Cada subtítulo é tratado, separadamente, incluindo assim, o próprio Sumário que por definição é um Résumé.

            A partir de Métodos, o autor nos dá uma explicação de seu desejo de reunir em seu artigo, elementos metodológicos.  Mas, além disso, deixa clara a impossibilidade de organizá-los. E de algum modo, vincula essa impossibilidade com o pensamento e com a ordenação, já que aquele é fragmentado e disperso e este é arbitrário.

            Na categoria “N”, Perrec lança mão de perguntas nas quais as respostas se colocam num plano relativo. A meu ver, ao perguntar o significado da barra de fração presente entre Classificar e Pensar, nos deixa clara a impossibilidade de dá uma resposta que integre um único significado, como por exemplo, em uma pergunta retórica que toma o caminho inverso. Talvez, não seria demais dizer que a barra dê ao classificar a função de divisor do pensamento.

            Há em nós uma necessidade de ordenação do mundo, desse mundo caduco, caótico, como quebra-cabeças, que se coloca, para nós, muitas vezes, como sem ordenação, sem compreensão. Como quebra-cabeças no sentido de complicado e múltiplo. E não obstante a isso, de combinar as peças para tentar formar um todo, um conceito, uma exatidão, e em consonância com o autor, as classificações, por completo, não funcionam, nunca funcionou e nunca funcionará. Nesse mesmo sentido, o autor também, não acredita nas Utopias, porque elas simplesmente, não abrem espaço para o azar, o diverso, ou seja, elas idealizam um porvir, inexiste, e criam planos compactos, fechados como maneira de justificar suas ideologias e que não abrem espaço para o novo, o criativo, para esse azar.

            No subtítulo, Veinte mil leguas de viaje submarinos, Perrec estabelece em três proposições, como num silogismo, um raciocínio que como uma brincadeira, além de incluir dois personagens da obra de Julio Verne, Conseil e Ned Land, conclui que Conseil estabelece el catálogo razonado de los peces que Ned Land examina. O que nos leva a pensar, de acordo com a obra, que Conseil confia em Ned Land, já que a catalogação daquele se baseia na afirmação deste.

            Em Razón y pensamento, Perec questiona as definições presentes nos dicionários sobre a razão e o pensamento. Também, acrescenta a adjetivação, como uma maneira presente na língua para estabelecer uma relação de diferenças entre essas duas palavras. Para ele, o pensamento está ligado ao profundo, à emoção, ao trivial. Já a razão, além de ter essas mesmas características do pensamento, como diferença, se liga mais ao social e ao Estado.

            No segmento sobre Os Esquimós, o autor trata das formas que cada cultura apreende o mundo. Dá exemplo, de como essa cultura tem diferentes formas de nomear gelo. Também, cita os franceses e os ingleses que possuem sete ou mais formas de nomear algo como rua. Ou seja, cada cultura apresenta diversas formas de referenciar o mundo de acordo com suas percepções e necessidades.

            A partir da Exposição Universal de 1900, e da descrição dos critérios que o administrador geral da exposição, senhor Picard atribuía as classificações, Perec nos mostra as contradições que, talvez deliberadas, causam impacto, já que nem todos os objetos médicos tinham uma ordenação ou uma explicação clara, como o administrador dizia.

            Borges, como ressalta o autor, também percebe a arbitrariedade das classificações, porque em seu livro, Outras inquisiciones traz uma classificação desconcertante que inclui o ETC, fora da ordem esperada e categorias que, convencionalmente, não são atribuídas aos animais.

            Em o Alfabeto, e como já foi dito inicialmente, há um tratamento sobre a ordenação e sobre a arbitrariedade, a inexpressividade e a neutralidade do alfabeto. Nesse sentido, podemos inferir que o alfabeto, nos termos de Perec, é arbitrário, uma vez que não há uma ordenação fixa, o que existe são convenções que determinam as possibilidades de uma certa ordem. Já  inexpressividade, no sentido de que as letras não carregam em si, um sentido e neutralidade, uma vez que, qualquer sentido transmitido a elas podem integrar uma ideologia, ou uma intenção.

            Finalmente, como em outros segmentos do artigo, percebemos que muitas classificações são estabelecidas por convenções e que não podem ser utilizadas como única forma de veicular o pensamento. Mas como o próprio autor trata em algumas categorias do artigo, há uma necessidade indescritível de nomear e ordenar o mundo/a vida, porque precisamos – ainda que isso seja limitante – de alguma organização. Por isso listamos, enumeramos, uma vez que a memória se vincula diretamente com o esquecimento. A simplificação, apesar de ser muitas vezes ser pobre, é menos esquecida, quem sabe por ocupar menos espaço. Portanto, as classificações são necessárias, porém mais importante ainda é o pensamento, lembrando que esse é simplesmente intercambiável com a liberdade. Sem ela não há pensamento.

Pollyanna Nunes Ramalho