Neste
trabalho, apresento, uma resenha sobre o capítulo XIII do livro
“Pensar/Clasificar” (título traduzido do original em Francês “Penser/Classer”),
de Georges Perec. Capítulo no qual, o autor, ao mesmo tempo em que se detém
sobre reflexões acerca do (in) classificável, ou seja, da ideia de uma ordem ou
desordem, do que se é possível ou não nomear, dizer, listar e numerar. Lança
mão de categorias, como o alfabeto, para mostrar sua arbitrariedade.
Passando
à estruturação do artigo, o autor divide cada subtítulo com as letras do alfabeto
francês. E o inicia com a letra D, fugindo
assim da ordenação comum do alfabeto. Desse modo, o autor nos deixa claro que Pensar é ir além de simplesmente
categorizar ou classificar.
Em
Sumario, primeiro subtítulo do texto,
e que normalmente temos uma introdução do tema tratado, Perec engloba os 26
subtítulos:
Sumario
- Métodos - Preguntas - Ejercicios de vocabulário - El mundo como rompecabezas
- Utopías - Veinte mil leguas – de viaje submarino – Razón y pensamento – los
esquimales – La Exposición Universal – El alfabeto – Las clasificaciones – las
jerarquías - Cómo classifico – Borges y
los chinos – Sei Shônagon – Las inefables alegrias de la enumeración – El livro
dos récords – Bajeza e inferioridade – El dicionário – Jean Tardieu – Cómo
pienso – Aforismos – “Em uma red de líneas entrecruzadas” – Vários - ?(1986:
108)
Cada
subtítulo é tratado, separadamente, incluindo assim, o próprio Sumário que por definição é um Résumé.
A partir de Métodos, o autor nos dá uma explicação de seu desejo de reunir em
seu artigo, elementos metodológicos.
Mas, além disso, deixa clara a impossibilidade de organizá-los. E de
algum modo, vincula essa impossibilidade com o pensamento e com a ordenação, já
que aquele é fragmentado e disperso e este é arbitrário.
Na categoria “N”, Perrec lança mão de
perguntas nas quais as respostas se colocam num plano relativo. A meu ver, ao
perguntar o significado da barra de fração presente entre Classificar e Pensar,
nos deixa clara a impossibilidade de dá uma resposta que integre um único
significado, como por exemplo, em uma pergunta retórica que toma o caminho
inverso. Talvez, não seria demais dizer que a barra dê ao classificar a função
de divisor do pensamento.
Há em nós uma necessidade de
ordenação do mundo, desse mundo caduco, caótico, como quebra-cabeças, que
se coloca, para nós, muitas vezes, como sem ordenação, sem compreensão. Como quebra-cabeças
no sentido de complicado e múltiplo. E não obstante a isso, de combinar as
peças para tentar formar um todo, um conceito, uma exatidão, e em consonância
com o autor, as classificações, por completo, não funcionam, nunca funcionou
e nunca funcionará. Nesse mesmo sentido, o autor também, não acredita nas Utopias,
porque elas simplesmente, não abrem espaço para o azar, o diverso, ou
seja, elas idealizam um porvir, inexiste, e criam planos compactos, fechados
como maneira de justificar suas ideologias e que não abrem espaço para o novo,
o criativo, para esse azar.
No subtítulo, Veinte mil leguas de
viaje submarinos, Perrec estabelece em três proposições, como num
silogismo, um raciocínio que como uma brincadeira, além de incluir dois
personagens da obra de Julio Verne, Conseil e Ned Land, conclui que Conseil estabelece el catálogo razonado de
los peces que Ned Land examina. O que nos leva a pensar, de acordo com a
obra, que Conseil confia em Ned Land, já que a catalogação daquele se baseia na
afirmação deste.
Em Razón y pensamento, Perec questiona as definições presentes nos
dicionários sobre a razão e o pensamento.
Também, acrescenta a adjetivação, como uma maneira presente na língua para
estabelecer uma relação de diferenças entre essas duas palavras. Para ele, o
pensamento está ligado ao profundo, à emoção, ao trivial. Já a razão, além de
ter essas mesmas características do pensamento, como diferença, se liga mais ao
social e ao Estado.
No segmento sobre Os Esquimós, o autor
trata das formas que cada cultura apreende o mundo. Dá exemplo, de como essa
cultura tem diferentes formas de nomear gelo.
Também, cita os franceses e os ingleses que possuem sete ou mais formas de
nomear algo como rua. Ou seja, cada
cultura apresenta diversas formas de referenciar o mundo de acordo com suas
percepções e necessidades.
A partir da Exposição Universal de 1900, e da descrição dos critérios que o
administrador geral da exposição, senhor Picard atribuía as classificações, Perec
nos mostra as contradições que, talvez deliberadas, causam impacto, já que nem
todos os objetos médicos tinham uma ordenação ou uma explicação clara, como o
administrador dizia.
Borges, como ressalta o autor,
também percebe a arbitrariedade das classificações, porque em seu livro, Outras inquisiciones traz uma
classificação desconcertante que
inclui o ETC, fora da ordem
esperada e categorias que, convencionalmente,
não são atribuídas aos animais.
Em o Alfabeto, e como já foi dito inicialmente, há um tratamento sobre
a ordenação e sobre a arbitrariedade, a inexpressividade e a neutralidade do
alfabeto. Nesse sentido, podemos inferir que o alfabeto, nos termos de Perec,
é arbitrário, uma vez que não há uma ordenação fixa, o que existe são
convenções que determinam as possibilidades de uma certa ordem. Já inexpressividade,
no sentido de que as letras não carregam em si, um sentido e neutralidade, uma
vez que, qualquer sentido transmitido a elas podem integrar uma ideologia, ou
uma intenção.
Finalmente, como em outros
segmentos do artigo, percebemos que muitas classificações são estabelecidas
por convenções e que não podem ser utilizadas como única forma de veicular o
pensamento. Mas como o próprio autor trata em algumas categorias do artigo,
há uma necessidade indescritível de nomear e ordenar o mundo/a vida, porque precisamos – ainda que isso seja limitante
– de alguma organização. Por isso listamos, enumeramos, uma vez que a memória
se vincula diretamente com o esquecimento. A simplificação, apesar de ser
muitas vezes ser pobre, é menos esquecida, quem sabe por ocupar menos espaço.
Portanto, as classificações são necessárias, porém mais importante ainda é o
pensamento, lembrando que esse é simplesmente intercambiável com a liberdade.
Sem ela não há pensamento.
Pollyanna Nunes Ramalho |