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Mostrando postagens de janeiro, 2012
" (...)  Admitirá que segredos iguais se cultivam na grande cidade e, mesmo, que uma cidade, exclusão feita de prédios, veículos, objetos e outros símbolos imediatos, não é mais que a conjugação de inúmeros segredos dessa ordem, idênticos e incomunicáveis entre sí, e pressenrtidos somente por poesia ou amor, que é poesia sem necessidade de verso. (...)" Carlos Drummond de Andrade

As cidades e a memória 3

Inutilmente, magnânimo Kublai, tentarei descrever a cidade de Zaíra dos altos bastiões. Poderia falar de quantos degraus são feitas as ruas em forma de escada, da circunferência dos arcos dos pórticos, de quais laminas de zinco são recobertos os tetos; mas sei que seria o mesmo que não dizer nada. A cidade não é feita disso, mas das relações entre as medidas de seu espaço e os acontecimentos do passado: a distância do solo até um lampião e os pés pendentes de um usurpador enforcado; o fio esticado do lampião à balaustrada em frente e os festões que empavesavam o percurso do cortejo nupcial da rainha; a altura daquela balaustrada e o salto do adúltero que foge de madrugada; a inclinação de um canal que escoa água das chuvas e o passo majestoso de um gato que se introduz numa janela; a linha de tiro da canhoneira que surge inesperadamente  atrás do cabo e a bomba que destrói o canal; os rasgos nas redes de pescae os três velhos remendando as redes que, sentados no molhe, contam pel...

As cidades e a memória 1

Partindo dali e caminhando por três dias em direção ao levante, encontra-se Diomira, cidade com sessenta cúpulas de prata, estátuas de bronze de todos os deuses, ruas lajeadas de estanho, um teatro de cristal, um galo de ouro que canta todas as manhãs no alto de uma torre. Todas essas belezas o viajante já conhece por tê-las visto em outras cidades. Mas a peculiaridade desta é que quem chega numa noite de setembro, quando os dias se tornam mais curtos e as lâmpadas multicoloridas se acendem juntas nas portas das tabernas, e de um terraço ouve-se a voz de uma mulher que grita: uh! é levado a invejar aqueles que imaginam ter vivido uma noite igual a esta e que na ocasião se sentiram felizes. Italo Calvino( As cidades Invisíveis – Tradução Diogo Mainardi)

A chave

Agora era tarde para dizer que não ia, agora era tarde. Deixara que as coisas se adiantassem muito, se adiantassem demais. E então? Então teria que trocar a paz do pijama pelo colarinho apertado, o calor das cobertas pela noite gelada, como nos últimos tempos as noites andavam geladas! País tropical ... Tropical, onde? " Foi-se o tempo", resmungou em meio de um bocejo. Devia haver no inferno o círculo social, aparentemente o mais suportável de todos, mas só na aparência. Homens e mulheres com roupa de festa, andando de um lado para outro, falando, andando, falando, exaustos e sem poder descansar numa cadeira, bêbados de sono e sem poder dormir, os olhos abertos, a boca aberta, sorrindo, sorrindo ... O círculo dos superficiais, dos engravatados, embotinados, condenados a ouvir e a dizer besteiras por toda a eternidade. "Amém", sussurrou distraidamente. Cerrou os olhos. Cerrou a boca. Mas por que essa festa? "Estou exausto,  compreende? Exausto!", quis grit...